Título: A gangorra da bolsa
Autor: Cotias , Adriana
Fonte: Valor Econômico, 05/06/2008, EU & Investimentos, p. D1

A festa das commodities não acabou, mas a velocidade de valorização, observada nos últimos anos, talvez seja incompatível com o atual ciclo global de desaceleração. Isso quer dizer que os tempos gloriosos para a bolsa brasileira, com retornos anuais na casa dos 30% a 40%, podem estar com os dias contados, dado o peso das matérias-primas no Ibovespa. Não é nada para tirar o sono dos investidores com apetite para a renda variável, que ainda promete ser melhor do que a renda fixa. O que os analistas esperam é que os preços das matérias-primas se acomodem em níveis elevados. Haverá, sim, oportunidades em ações relacionadas à cadeia de produtos cotados internacionalmente, mas o risco no curto prazo aumentou.

De 31 de outubro de 2007 até o fim de maio, o MSCI Brasil, índice medido pelo Morgan Stanley, tinha subido 14%, bem mais do que a média dos emergentes, com valorização de 9,5%. No resultado brasileiro, 88% veio do par Petrobras e Vale , um indício de que a Bovespa estava pesadamente vulnerável a mudanças nos preços das commodities, diz Luís Fernando Lopes, do Pátria Investimentos.

Ele cita que regiões desenvolvidas como América do Norte, Europa ocidental, além de Japão, Austrália e Nova Zelândia devem apresentar um crescimento econômico entre 1% e 1,5% neste ano. O PIB dos EUA tende a ter expansão menor do que 1% e mesmo os emergentes vão experimentar alguma desaceleração. No Brasil, o freio vem sendo induzido pela via dos juros e o ritmo da atividade também deve ficar abaixo dos 5%. "Não é nada para arrancar os cabelos, o Ibovespa não deve ficar negativo", diz Lopes. "Mas num ano que promete volatilidade, com muitos dias como esses, prefiro ficar com o retorno de 13% a 14% do CDI do que com os 15% ou 20% da bolsa e evitar uma gastrite."

Para quem tem um horizonte de investimento mais amplo, de 5 a 10 anos, a renda variável ainda é uma boa pedida, diz Lopes. Nos próximos pregões, se a queda atingir ações que não têm a menor relação com as commodities, as oportunidades podem surgir em setores como varejo, construção civil e bancos. No longo prazo, até mesmo papéis diretamente ligados às matérias-primas são uma boa promessa, diz o economista-chefe do Banco WestLB, Roberto Padovani.

"Com o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) mostrando maior preocupação com inflação, era natural que houvesse uma correção, mas olhando um ou dois trimestres à frente não há razões fundamentais que indiquem que o ciclo econômico mudou ou que aumentou a aversão a risco". Não só porque a China continua crescendo, mas também porque os dados dos Estados Unidos não mostram uma recessão mais pronunciada. Ele lembra que, dentro do legislativo americano há discussões sobre como regular o mercado de commodities, com o objetivo de evitar que aspectos financeiros dominem as cotações.

As preocupações de que os hedge funds tenham puxado os preços das commodities artificialmente são genuínas. Essa foi a maneira que esses investidores encontraram para buscar um refúgio contra a inflação e a desvalorização do dólar. Mas não dá para imaginar que todo o movimento de alta que se observou nos últimos meses seja puramente especulativo, diz o gestor de Renda Variável da Banif Nitor Asset Management, Rodrigo Lopes. "Os argumentos de demanda maior do que a oferta são muito fortes", diz. "Mesmo que haja alguma desaceleração na China, o país pode deixar de crescer 11% para ter uma expansão de 9,5% daqui a dois anos e, por isso, não acredito que esteja para estourar uma bolha", completa.

Mesmo que os exageros do mercado sejam corrigidos pela posição do Fed de voltar a defender a economia americana de uma alta inflacionária pelo remédio dos juros, os preços do petróleo não vão cair abaixo dos US$ 100,00, acredita Lopes, da Banif. O cenário de demanda para o minério de ferro nos próximos três ou quatro anos também segue apertado e as siderúrgicas continuarão a encontrar espaço para reajustar preços. Com as cotações do petróleo em alta, aumento de produção e a expectativa de novas descobertas, as ações da Petrobras permanecem no radar, diz, seguidas, na ordem, pelas siderúrgicas e Vale. As ações de papel e celulose são os menos atrativos por enquanto.

Além do vaivém das commodities, as preocupações com a inflação local são um risco que não deve ser ignorado pelo investidor de bolsa, adverte o gestor da Banif. A alta de 0,5 ponto percentual imposto à Selic ontem pelo Comitê de Política Monetária (Copom) mostra a disposição do BC de combater as pressões originadas no front global. Para ele, as perspectivas para a demanda doméstica seguem positivas, delineando um bom cenário para as empresas listadas na bolsa no pós-grau de investimento. A gestora mantém a previsão do Ibovespa em 80 mil pontos no fim do ano.

Apesar da queda de 5,40% na semana, no ano o índice ainda acumula alta de 7,49%, acima das bolsas americanas, dos países do G-7 ou dos mercados da América Latina. A China cai 30%, a Índia 24% e a Rússia sobe só 2,75%, evidenciando a liderança brasileira também entre os BRIC, sigla para Brasil, Índia, Rússia e China.