Título: Clima Incerto
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 05/06/2008, Especial, p. F1

O Brasil começa a calcular os prejuízos que o aquecimento global poderá trazer para o desenvolvimento. Um estudo patrocinado pelo Reino Unido e coordenado pela Academia Brasileira de Ciência vai estimar os impactos econômicos das mudanças climáticas na atividade produtiva. As conclusões deverão ser apresentadas em março de 2009. "Será uma espécie de relatório Stern brasileiro", compara Pedro Leite Dias da Silva, diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), do Ministério da Ciência e Tecnologia, que integrou o grupo de pesquisadores responsáveis pelo último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). O relatório Stern, elaborado pelo chefe do Serviço Econômico inglês, Sir Nicholas Stern e publicado em 2006, concluiu que, se nada for feito para conter a emissão de gases de efeito estufa (GEE), o aquecimento global provocará uma redução de 5% a 20% do Produto Interno Bruto Mundial (PIB), algo em torno de US$ 7 trilhões, até o final do século.

A versão brasileira do relatório britânico já mobiliza pesquisadores e economistas. "O grande desafio será a metodologia de cálculo do impacto econômico. A minha sugestão é utilizar vários modelos climáticos, ainda que com isso tenhamos de conviver com incertezas", afirma Dias, consultor do projeto.

O relatório brasileiro vai basear-se em pesquisas como a do grupo coordenado por Hilton Silveira Pinto, diretor do Centro da Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas às Agricultura, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que prevê que o aquecimento global vai atingir de forma distinta as diversas regiões do país. "Em 2020, a perspectiva é de elevação de um grau centígrado na temperatura do Sudeste e de 1,5º C na da Amazônia e do Nordeste", adiantou Pinto. Esse estudo, também patrocinado pelo governo britânico, será divulgado em agosto.

O aumento da temperatura poderá comprometer culturas como a da soja, mas as lavouras mais resistentes, como a de cana-de-açúcar, serão beneficiadas, até o seu limite próprio de tolerância ao estresse térmico.

Antecipando-se a eventuais mudanças, a Empresa Brasileira de Pesquisa de Agropecuária (Embrapa) está investindo R$ 38 milhões no desenvolvimento de duzentos projetos de pesquisa de zoneamento agrícola e de avaliação de riscos de doenças. "Há indícios de que as lavouras de mandioca sairão do Nordeste. Teremos que trabalhar com material genético para manter o mapa de produção que temos hoje", diz Eduardo Assad, coordenador da Embrapa Informática.

O Nordeste terá problemas também de geração de energia. Estudos realizados pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, indicam que o girassol, a mamona e o dendê, utilizados na produção de biocombustíveis, poderão tornar-se inviáveis. Na região do Vale do Rio São Francisco, a vazão, usada para a produção hidrelétrica, poderá ser reduzida em até 26,4%.

Em meio a esse ambiente de incertezas, as empresas brasileiras se mobilizam para, voluntariamente, reduzir os níveis de emissões de gases de efeito estufa. O Plano Estratégico da Petrobras até 2020 já leva em conta a necessidade de adaptar a empresa a um cenário de elevação da temperatura - e, conseqüentemente, do nível do mar - e até de eventuais mudanças regulatórias. "Já criamos uma estrutura de governança para gerenciar a questão climática e começamos a trabalhar em várias iniciativas", conta Luis César Stano, gerente de desempenho em segurança, meio ambiente e saúde (SMS). Outro exemplo é o da Natura, que se tornou carbono neutro em 2007, por meio da adoção de matriz energética mais limpa e da contratação de projetos que resultam em seqüestro de carbono e compensam o seu saldo de emissões. A empresa está lançando hoje um novo edital para contratar cinco projetos com o objetivo de neutralizar 184 mil toneladas de carbono contabilizadas em todo o ciclo de vida dos seus produtos.

A estratégia de compensação adotada pela Natura se assemelha ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), previsto no Protocolo de Kyoto, que permite que empresas de países desenvolvidos compensem as emissões de gases de efeito estufa por meio da compra de créditos de carbono gerados em projetos implementados em países em desenvolvimento. "O grande mérito de Kyoto foi ter desafiado a relação comando/controle do Estado e ter passado a decisão de redução de emissões para o mercado, por meio do MDL", observa Marco Antonio Fujihara, diretor da Sustain Capital, empresa que compra e vende participação societária em empresas que reduzem emissões.

As metas estabelecidas por Kyoto até 2012 - de 5,2% de redução de emissões de gases de efeito estufa em relação aos níveis de 1990 - são, no entanto, baixas ante a necessidade urgente de diminuição de emissões. "Na União Européia já se fala em chegar a 25% de corte", lembra Fujihara. "Se o aquecimento vier a ultrapassar os 2º C em relação a 1900, o que ocorrerá se a concentração de CO2 chegar a 450 partes por milhão, praticamente serão jogados no ralo todos os esforços feitos até agora para a adoção de práticas de conservação, sejam elas relativas à biodiversidade, à água, à fertilidade do solo, etc.", adverte José Eli da Veiga, professor titular do Departamento de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), da Universidade de São Paulo (USP). Para atingir metas de redução mais altas, a saída pode estar na taxação de emissões. "É preciso que se adote um princípio: emitir carbono tem que custar muito caro", sugere Veiga.

O aquecimento global inaugurou um novo ciclo de desenvolvimento baseado em energia limpa, avalia Jacques Marcovitch, professor da FEA e do Instituto de Relações Internacionais da USP, que vai coordenar o relatório brasileiro do impacto econômico das mudanças climáticas. Ele defende a idéia de que as empresas intensifiquem ações setoriais e criem padrões de redução de emissões para toda a cadeia produtiva. "O que se fez até agora é necessário, mas não suficiente. É preciso escala que só virá por pressão", diz Marcovitch.

Na União Européia, as empresas já começam a discutir o conceito de "ciclo completo de vida do produto" que contabiliza as emissões desde a produção da matéria-prima até o uso final, lembra Carlos Nobre, coordenador do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). "Estamos falando de ecologia industrial", ele diz.

O futuro, na visão de Nobre, está nas fontes de energia renováveis. "As grandes já estão dando os primeiros passos e têm plano estratégico de longo prazo", sublinha Nobre. Nesse cenário, os biocombustíveis terão papel importante, antes que o planeta desenvolva tecnologias para o uso do hidrogênio.

Até lá, ele afirma, a ciência pode dar a sua contribuição, mas "é a P&D industrial que produz inovação e que vai gerar as tecnologias do futuro." Segundo Nobre, existem projetos-pilotos em laboratórios de pesquisa, "mas que vai liderar os processos de mudança é a indústria."

Marcovitch lembra que, em 1980, quando se comprovou a existência de um grande buraco na camada de ozônio na Antártida, a indústria passou a concentrar recursos no desenvolvimento de alternativas não destruidoras do ozônio. "Sete anos após a entrada em vigor do Protocolo de Montreal, esses gases passaram a ser banidos", sublinha. Em 22 de setembro de 2007, vinte anos depois do Protocolo de Montreal, constatou-se uma redução de 95% dos gases prejudiciais à camada de ozônio.