Título: Ponto crítico
Autor: Álvares, Débora ; Santana, Ana Elisa
Fonte: Correio Braziliense, 23/02/2011, Brasil, p. 8

A venda de inibidores de apetite deve ser proibida?

SIM » Agência Nacional de Vigilância Sanitária*

Um dos maiores desafios da regulação sanitária no mundo atual é prevenir as populações dos riscos inerentes a determinados produtos e, ao mesmo tempo, permitir que essas mesmas pessoas tenham acesso às terapias e aos medicamentos com qualidade, segurança e eficácia. Para vencer o desafio citado acima, as autoridades sanitárias em todo o mundo têm aplicado a metodologia de esgotar, à luz do conhecimento disponível, as evidências de eficácia e de segurança do produto. O resultado é um complexo processo de análise, cujo objetivo é responder à questão: O que gera mais saúde ¿ colocar e manter determinado produto no mercado ou não permitir o seu uso?

A resposta à questão acima tem orientado os órgãos reguladores em saúde a se posicionar pela entrada ou retirada de produtos do mercado. Sua resolução está diretamente ligada ao benefício e à necessidade de tratamento, aos benefícios em longo prazo e aos risco reais à saúde do paciente. Além disso, as exigências técnicas para que um produto entre ou permaneça no mercado vêm sendo aprimoradas ao longo da última década.

A questão atual em que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) discute a permanência da sibutramina e dos medicamentos tipo anfetaminas no mercado brasileiro é mais um capítulo dessa história. A Anvisa baseia sua proposta de banimento em conhecimento científico sólido, interlocução com os produtores de conhecimento e cumprimento da sua missão institucional.

O saber evolui diariamente e conclusões relacionadas à segurança de medicamentos utilizados por milhares de pessoas podem levar anos para serem alcançadas. O mais importante é que essas conclusões estejam baseadas em pesquisa com metodologia científica válida.

A obesidade é uma enfermidade séria e deve ser controlada com tratamentos seguros, que garantam benefícios permanentes aos pacientes. As informações disponíveis trazem um desafio para a medicina sobre como tratar essa doença, tendo em vista que as alternativas medicamentosas não se mostram seguras diante das informações disponíveis pela ciência.

* O texto é do Núcleo de Investigação em Vigilância Sanitária da agência

NÃO

» Diaulas Costa Ribeiro*

Depois de séculos de paternalismo médico, que entre nós chegou ao fim em 2010, com o atual Código de Ética Médica, eis que surge um novo positivismo: o maternalismo da Anvisa que, além de querer limitar a autonomia de pessoas capazes, pretende regular o ato médico usando o seu poder de reguladora para extinguir alternativas terapêuticas usadas por brasileiros contra a obesidade.

A defesa da saúde e da vida sempre foi um argumento comum para justificar iniciativas antipáticas ou mal fundamentadas. Mas, para se proibir a venda de inibidores de apetite, é preciso mais do que esse mantra, porque a proibição não deixa alternativas aos pacientes. O orlistat, mencionado como único a sobreviver à intervenção, tem inconvenientes sociais, terapêuticos e econômicos. A versão nacional, de 120mg, não tem genérico, é cara e também produz efeitos colaterais. A prescrição de dieta e exercícios não é alternativa porque insiste no preconceito de que todo gordo é preguiçoso. E tratar a obesidade nesses termos deveria ser crime.

Os artigos mencionados em recente nota técnica da Anvisa não avalizam a proposta de proibição. Dos artigos que tratam dos medicamentos tipo anfetamínicos, a maioria é do século passado e, se não justificou a proibição antes, não deveria servir de justificativa atual. Os deste século, em grande parte, são de revisão bibliográfica; ou seja, estudaram o que já havia sido estudado. Os artigos efetivamente novos citados pela nota técnica têm pouca relevância para embasar a proibição. Um deles tem por coautor um prestigiado endocrinologista da USP que defende os inibidores.

Quanto à sibutramina, um estudo apontou incremento de risco relativo cardiovascular de 16% em pacientes com 55 anos ou mais e com doença cardiovascular prévia ou diabetes mellitus. Há medicamentos permitidos no Brasil que apresentam risco bastante superior ao da sibutramina.

Não há, enfim, verdade absoluta nessa matéria. Não havendo contraindicação absoluta para todos, o uso do medicamento deve ser decidido pelo paciente adulto e capaz, devidamente informado pelo seu médico. A garantia de um médico e o controle na dispensação desses inibidores é mais do que suficiente para que se cumpram os princípios de farmacovigilância.

* Promotor de Justiça, é doutor em direito e pós-doutor em direito e bioética. Professor da Universidade Católica de Brasília e da Uniplac-Brasília