Título: Entre os demitidos, 79% recebem o seguro-desemprego
Autor: Bouças, Cibelle
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2008, Especial, p. A14

Carol Carquejeiro/ Cia de Foto/ Valor Clemente Ganz Lucio, diretor-técnico do Dieese: mercado de trabalho no Brasil tem uma rotatividade muito alta A expansão da economia a partir de 2004 proporcionou um crescimento do número de empregos com carteira assinada a nível recorde. Entre 2004 e 2007, o contingente de celetistas cresceu 18,5%, alcançando 28,8 milhões de trabalhadores. Esse aumento trouxe consigo um efeito colateral no mínimo curioso: uma explosão naDe acordo com dados do Ministério do Trabalho, no ano passado, 6 milhões de pessoas solicitaram o benefício - ou 79% das pessoas demitidas sem justa causa e que, portanto, tinham direito ao benefício em 2007. Em 2004 - outro ano de forte crescimento econômico - a relação entre o total de demitidos e os beneficiários do seguro-desemprego foi bem menor: 61,7%.

O número de trabalhadores demitidos com acesso ao benefício, em 2007, cresceu 26% em relação ao total de beneficiados em 2004 - variação superior à do estoque de mão de obra. O valor despendido pelo governo, por sua vez, aumentou 78%, alcançando R$ 12,5 bilhões. Parte da variação é explicada pelos reajustes consecutivos do benefício, cujo valor subiu 59,6% desde 2004, tendo hoje como teto R$ 776,46 e como piso o salário-mínimo, que variou 73% desde 2004, saindo de R$ 240 para R$ 415.

Especialistas ouvidos pelo Valor traçam diferentes hipóteses para justificar o aumento do número de trabalhadores demitidos sem justa causa e que recorrem ao seguro-desemprego enquanto não conseguem sua recolocação no mercado. Ele parece incompatível com um economia que cresce com um expressivo aumento nas contratações e cujo saldo, entre demitidos e admitidos, tem sido positivo.

Levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base nos registros de trabalhadores com e sem carteira nas capitais, mostra, contudo, que os trabalhadores têm ficado mais tempo desempregados. Em 2004, do total de trabalhadores desocupados, 73,7% procuravam emprego há até 6 meses. No ano passado, esse grupo representou 79,4% do total de desempregados.

O aumento do universo de trabalhadores com potencial de acessar o benefício por si justifica o incremento, avalia Rodolfo Torelly, diretor do departamento de emprego e salário do Ministério do Trabalho e Emprego. "O estoque de trabalhadores com carteira assinada tem crescido rapidamente e como a taxa de rotatividade se mantém em torno de 40%, o número de beneficiados cresce", diz.

Torelly também pondera que, mesmo com a redução no índice de desemprego (para 7,4% em dezembro de 2007 e 8,6% em março) o contingente de desempregados continua grande e há interesse dos empregadores em substituir parte da mão de obra por profissionais que se dispõem a trabalhar por um salário mais baixo - muitas vezes, com qualificação superior. "As empresas buscam melhorar a sua produtividade e reduzir custos e a economia na folha de pagamentos é uma realidade", diz.

"Passamos quase duas décadas desempregando. A economia só voltou a contratar mesmo a partir de 2004. Há muitos desempregados e ainda está fácil demitir e contratar outro com salário mais baixo", afirma Ricardo Amorim, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O pesquisador também considera que uma parte significativa da mão-de-obra não possui qualificação adequada, o que ajuda a explicar a alta rotatividade e o aumento do número de trabalhadores que recorrem ao benefício pela dificuldade de recolocação rápida.

Clemente Ganz Lucio, diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socio-Econômicos (Dieese), concorda com a teoria. "Temos um mercado com rotatividade muito alta. Muita empresa demite quem ganha R$ 1 mil para contratar um a R$ 700 é o que explica a queda acentuada no rendimento médio das ocupações nos últimos anos", afirma.

Ele observa que, no primeiro trimestre deste ano, na região metropolitana de São Paulo, o rendimento real médio cresceu 2,3 pontos em relação ao mesmo intervalo de 2004, para um índice de 54,7. Em 2000, o índice era de 60,4. O indicador foi criado em 1994 tendo este ano como base 100 - o que significa que, mesmo com a recuperação nos ganhos a partir de 2004, o rendimento real atual representa 54,7% do que era há 14 anos.

Ganz também acredita que uma parte do aumento de desempregados está relacionada ao crescimento do emprego com carteira assinada de dois setores que tradicionalmente têm rotatividade alta: construção civil e comércio. Entre 2004 e 2007, o número de postos formais criados nesses setores foi de 1,5 milhão e 398 mil, respectivamente, de acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), compilados pela LCA Consultores.

Haruo Hishikawa, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), vê no cenário atual um aumento do uso oportunista do seguro-desemprego. "Como o setor da construção está em crescimento, as indústrias contratam muita gente de outros Estados. E é comum os trabalhadores pedirem para não serem registrados para continuarem recebendo o seguro-desemprego ou o Bolsa Família", afirma. Ele estima que existam 4,5 milhões de trabalhadores na construção civil, mas apenas 2 milhões são contratados com carteira assinada atualmente.

Torelly, do Ministério do Trabalho, reconhece que falta ao governo uma análise mais apurada sobre o perfil dos beneficiários. "É difícil precisar quantos trabalhadores de cada setor acessam o seguro-desemprego, o nível de qualificação, o tempo de serviço. Esses dados existem, mas não há análise a respeito", diz. Recentemente, o ministério fechou acordo com a Universidade de Brasília (UnB) e o Dieese para desenvolver estudos de forma a identificar os diferentes perfis dos beneficiários.

A partir desse diagnóstico, o governo traçará medidas para tentar reduzir o índice de desemprego no país no longo prazo. Uma das propostas já em estudo consiste na unificação do serviço do seguro-desemprego com o Sistema Nacional de Emprego (Sine). "Hoje, menos da metade dos postos de atendimento para a concessão do benefício estão ligados ao Sine. Queremos unificar os serviços, de forma que o desempregado que chega no posto para pedir o seguro-desemprego já seja encaminhado a uma vaga de trabalho na área em que atua", explica Torelly.

O ministério estuda ainda integrar o serviço de concessão de benefícios com os programas de requalificação profissional. Recentemente, o governo federal criou um programa para inscrever todos os trabalhadores da construção civil desempregados que recebem o Bolsa Família no Sine. Os inscritos serão automaticamente encaminhados a vagas de trabalho em obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). "É uma vertente que tem mostrado resultados positivos. Futuramente o programa será ampliado a outras categorias profissionais", afirma.

Torelly nega que exista algum planejamento do governo no sentido de restringir a concessão do seguro-desemprego. "O governo não estuda nem nunca estudou qualquer aperto nos critérios de concessão do seguro-desemprego. Mas quer conhecer melhor o perfil das pessoas que buscam o benefício para oferecer respostas mais objetivas a esse problema social", explica o diretor do Ministério do Trabalho.

concessão de seguro-desemprego.