Título: Crédito mercantil avança mais rápido
Autor: Travaglini, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2008, Finanças, p. C1

O empresário José Luiz Majolo trabalhou por 35 anos no sistema financeiro. Afastou-se do setor quando ocupava o posto de vice-presidente do Banco ABN AMRO Real e passou a comandar a Terpenoil, fabricante de produtos de limpeza orgânicos e biodegradáveis. Apesar da proximidade com o mercado bancário, todo o estoque de matérias-primas da sua nova companhia é financiado pelos próprios fornecedores.

Essa é a prática usual do mercado. Dentro de uma cadeia produtiva, cada fornecedor disponibiliza um determinado prazo de pagamento para seus clientes. Nesse período, o fabricante produz a nova mercadoria e vende o produto, também com um prazo para recebimento de seus clientes. Esse crédito entre empresas é chamado de financiamento mercantil e cresce de forma ainda mais rápida que o crédito bancário, de acordo com levantamento da Serasa.

"O fornecedor está disposto a financiar seu estoque por meio de um prazo de um a dois meses para o pagamento", afirma Majolo. No dia-a-dia, a Terpenoil consegue 28 dias para pagar os materiais que adquire. Passado esse período, utiliza a receita das vendas para quitar os débitos. Essa gestão do fluxo de caixa é feita por meio do casamento entre o prazo de pagamento e recebimento, já que a companhia também precisa financiar seus clientes, em geral com recursos próprios.

"Quase não uso crédito bancário para financiar o giro." A empresa mantém duas linhas abertas nos bancos apenas para eventualidades. Uma delas é a conta garantida (semelhante ao cheque pessoal), para cobrir diferenças de alguns dias no fluxo de caixa. A outra é de desconto de títulos.

Apesar do forte crescimento do crédito bancário nos últimos anos, o volume de crédito mercantil na economia avança de forma ainda mais rápida, conforme dados da Serasa a partir do balanço de 60 mil empresas.

Desde 1996, o financiamento mercantil cresceu 139% em bases reais (já descontada a inflação), enquanto os empréstimos dos bancos para essas mesmas companhias avançaram 49%. Mesmo nos últimos quatro anos, período de retomada do crescimento bancário e das quedas das taxas de juros, o financiamento mercantil avançou 19,6%.

"Com o crescimento econômico, existe a necessidade de mais recursos para financiar o crescimento da produção. E o fornecedor tem o pulso da empresa, uma vez que compartilham dos negócios de seus clientes de uma forma mais intensa", afirma Márcio Ferreira Torres, gerente de análise de crédito da Serasa.

De acordo com o estudo, o financiamento mercantil atingiu R$ 220 bilhões no fim de 2007. O volume é inferior aos R$ 350 bilhões em recursos tomados por essas mesmas empresas nos bancos. Esse cenário se altera de forma significativa quando são analisados os dados das pequenas e médias empresas, nicho que foi o foco de avanço dos bancos nos últimos quatro anos.

Desde 2003, o financiamento mercantil para empresas com faturamento anual de até R$ 50 milhões cresceu 14,7%, atingindo R$ 48,4 bilhões no fim do ano passado. Já o crédito bancário para essas mesmas companhias avançou 84,3%, para R$ 84,5 bilhões. O gerente da Serasa explica que a amostra não atinge empresas de porte muito pequeno, mas certamente "este foi o segmento com maior aceleração do crédito bancário".

As grandes empresas continuam com crédito com fornecedores, mas reduziram a demanda bancária. O financiamento mercantil para grandes empresas (que faturam mais de R$ 50 milhões no ano) cresceu 21% no período, enquanto o crédito bancário recuou os mesmo 21%. Boa parte dessa mudança é fruto das novas formas de financiamentos para as maiores companhias a partir da estabilidade econômica, tanto no mercado de capitais quanto no exterior.

O setor industrial é o que mais utiliza esses recursos em termos percentuais. As indústrias respondem por mais da metade (54,4%) dos financiamentos mercantis. São R$ 120 bilhões em recursos a serem pagos, volume inferior aos recursos bancários (R$ 172 bilhões). No setor de serviços, a diferença é ainda maior. São R$ 54,8 bilhões em crédito entre as empresas, contra pouco mais de R$ 150 bilhões em recursos tomados nos bancos.

Em termos relativos, no entanto, o setor de comércio é o mais dependente dessa prática. As empresas de comércio analisadas pela Serasa têm R$ 31,7 bilhões em empréstimos nos bancos. Essas mesmas companhias devem outros R$ 45,2 bilhões a seus fornecedores.

O crédito mercantil, formado pelos prazos dados pelos fornecedores às empresas clientes, é contabilizado no passivo dos balanços da mesma forma que o crédito bancário. Diferentemente dos recursos emprestados pelos bancos, no entanto, não têm juros, daí a preferência das empresas.

Outra vantagem é que as linhas bancárias ficam livres para investimentos em ampliação da capacidade. "Essas nós precisamos. Estamos negociando com bancos para um programa de investimento de R$ 1 milhão no segundo semestre para investimento fixo, uma parte via Finame do BNDES e uma parte de financiamento de instalação de equipamentos", conta Majolo.

A ampliação da capacidade produtiva permite ainda outro ganho para o empresário. Com as novas máquinas, o faturamento da Terpenoil deve saltar dos R$ 250 mil mensais para cerca de R$ 1 milhão. "Com a melhora de escala, começamos a ganhar poder de barganha com os fornecedores e podemos negociar melhores prazos."

Apesar das vantagens, há uma diferença fundamental entre as modalidades de crédito: os prazos. Quase a totalidade dos financiamentos entre empresas é de curto prazo, em média até 90 dias, enquanto 60% das operações com bancos superam um ano. Hoje já existem operações de até 150 dias.

Outra peculiaridade é que, em meio às preocupações com a velocidade de crescimento do crédito, os financiamentos entre empresas não são atingidos diretamente pelas políticas monetárias, já que as linhas não têm juros (o custo já está incluído no preço da mercadoria). Majolo, que já esteve nos dois lados da economia, pondera, no entanto, que a preocupação com esse tipo de recurso é menor. Segundo ele, além de o crédito mercantil ser totalmente lastreado por produtos, ele não produz, por si só, crescimento, diferentemente do crédito bancário, que permite a alavancagem das companhias.