Título: Governistas e oposição unem-se para manter a Cide
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 09/06/2008, Política, p. A8

Tomou corpo, nas últimas discussões internas da comissão especial de reforma tributária da Câmara dos Deputados, a idéia de manter a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) incidente sobre a comercialização e importação de combustíveis. Até o presidente da comissão, deputado Antonio Palocci (PT-SP), um dos principais aliados do governo em defesa da reforma, questiona a necessidade ou mesmo a conveniência de se colocar a Cide na lista de tributos a serem substituídos pelo futuro Imposto sobre Valor Adicionado Federal (IVA-F).

A extinção da Cide Combustíveis está prevista na PEC original encaminhada pelo Executivo e também no substitutivo que saiu da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. "Já avisei o Ministério de Fazenda que estou levantando essa discussão aqui", diz o deputado. Ele esclarece que ainda não fechou posição. Mas admite que, até o momento, acha melhor que a Cide fique fora do futuro IVA-F e, portanto, sobreviva. Dada a influência do ex-ministro da Fazenda em debates sobre temas econômicos, a posição de Antonio Palocci pode ser decisiva, ao estimular outros parlamentares a votar da mesma forma.

O deputado Sandro Mabel (PR-GO), relator da PEC na comissão especial, em princípio prefere a proposta da atual equipe do Ministério da Fazenda, por causa do seu caráter simplificador. "Quanto menor o número de tributos, melhor. Mais simples será o sistema tributário", diz. Mas ele também está preocupado em obter um acordo antes da votação formal do seu substitutivo. Por isso, não descarta encampar a sobrevivência da Cide em seu texto, se essa for a vontade da maioria da comissão.

Mabel admite que, num café da manhã, na quinta-feira, diversos membros da comissão já lhe pediram para manter a Cide. A não inclusão da contribuição no IVA-F foi defendida tanto por parlamentares da base governista, a exemplo do deputado Virgílio Guimarães (PT-PR), quanto por deputados de partidos de oposição, como Alfredo Kaefer (PSDB-PR) e Eduardo Sciarra (DEM-PR).

Alfredo Kaefer aponta os mesmos argumentos que levam Palocci a questionar a proposta do governo. Adotando dois neologismos, ambos acham que o IVA-F deveria substituir apenas tributos "arrecadatórios" e não "regulatórios". E no entendimento dos dois deputados, mesmo tendo proporcionado receita em torno de R$ 7 bilhões em 2007, a Cide é um tributo que foi criado muito mais para ser instrumento regulador do mercado de combustíveis do que para arrecadar.

O maior exemplo foi dado no início de maio desse ano pelo próprio Executivo, lembram Palocci e Kaefer. O governo reduziu a Cide sobre a gasolina para evitar que o aumento do preço internacional do petróleo e o seu reflexo no preço de refinaria do combustível fosse repassado ao preço final ao consumidor. A intenção foi amortecer impactos da alta internacional do petróleo na inflação brasileira, cuja elevação recente já levou o Banco Central a subir duas vezes a taxa básica de juros da economia, só esse ano. Palocci destaca que, se a reforma já tivesse sido feita aos moldes do que propõe o governo, esse instrumento fiscal de controle inflacionário não poderia ter sido acionado, pois não mais existiria.

Antonio Palocci está convencido também de que a Cide, criada em 2001, foi fundamental para combater a sonegação fiscal no comércio de combustíveis. Ele lembra que, antes, o governo tinha dificuldades para fiscalizar e arrecadar tributos federais de distribuidores e varejistas do produto. Com a Cide, ficou difícil sonegar porque a contribuição é cobrada sobre o volume de produto vendido por litro, com controle de vazão, e não sobre o faturamento. A sonegação diminuiu principalmente porque essa sistemática de cobrança, com base em quantidade de litros, foi estendida, no caso do setor de combustíveis, a outros dois tributos federais já existentes na época: a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição para o Programa de Integração (PIS).

Ambas fazem parte, junto com a Cide e a Contribuição Salário-Educação, dos quatro tributos que a proposta original de reforma prevê extinguir e substituir pelo IVA-F. Somado a isso, o fato de o setor de combustíveis pagar PIS e Cofins de forma diferente dos demais (em geral sobre faturamento) seria um complicador para que essas empresas sejam incluídas no IVA-F. Para não haver retrocesso no combate à sonegação, Palocci entende, em princípio, que seria mais adequado deixar o setor de combustíveis fora do IVA-F, ou seja, pagando apenas Cide. Para compensar o que essas empresas deixariam de pagar de PIS e Cofins, bastaria que isso fosse compensado na Cide.

Uma das questões que preocupam o governo e que deve ser considerada pelo relator, no entanto, é a cumulatividade. Dentro do próprio setor, a Cide não é cumulativa, pois gera crédito tributário. Mas para todas as empresas que usam combustível no seu processo produtivo, ela representa um imposto cumulativo, já que não pode ser abatido de PIS e Cofins. O IVA-F, em princípio, eliminaria essa cumulatividade, ao juntar tudo.