Título: A oferta é o foco na crise de alimentos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 09/06/2008, Opinião, p. A10

Somente agora os analistas passaram a dar destaque aos fundamentos do lado da oferta para explicar a alta dos preços de alimentos. O foco estava centrado na demanda por commodities agrícolas, submetida a pressões de consumo na China, na Índia e nos países emergentes, e pelo aumento do uso de biocombustíveis, sobretudo o etanol. Cerca de 32% da produção de milho dos EUA já está direcionada para a nova indústria de etanol. De fato, nas últimas décadas cerca de 500 milhões de chineses migraram do meio rural para o meio urbano e foram inseridos na economia de mercado. Urbanizados e com maior poder aquisitivo, estão mudando o padrão de consumo em favor de proteínas animais, como carne, leite e derivados. A China foi levada a aumentar suas importações de soja e milho para a fabricação de rações, gerando um efeito no mercado global de grãos. Tem-se pela primeira vez, em muitas décadas, uma forte pressão do lado da demanda de alimentos. Deveríamos estar comemorando, pois, afinal, temos aí um bom problema: o aumento em escala global do número de incluídos.

A oferta mundial de alimentos vinha aumentando, pois os produtores são sensíveis aos sinais de preços. O Brasil passou a ser destaque no cenário mundial, sobretudo nas exportações de soja e milho, tornando-se um grande fornecedor da China. Entre 2000 e 2007, as exportações brasileiras de soja saltaram de 11,5 milhões para 25,5 milhões de toneladas, enquanto as de milho saíram de menos de 700 mil toneladas para 11 milhões. Entretanto, a partir de 2007, novos fatores passaram a pressionar o mercado, colocando a oferta como o principal fator na alta atual e futura dos preços dos alimentos.

O primeiro vilão foi a alta dos preços do petróleo, que se tornou mais aguda a partir de janeiro de 2008. Nos últimos 12 meses, o barril de petróleo dobrou de preço, saltando de US$ 64 para US$ 124 o barril, empurrando para cima os custos agrícolas no mundo todo. O petróleo pesa muito na agricultura, sobretudo no transporte dos insumos e dos produtos, como combustível dos tratores e colheitadeiras. No caso do Brasil, esse impacto passará a ser sentido a partir de agora com o aumento de 8,8% do diesel na bomba.

Mas é nos derivados do petróleo, principalmente nos fertilizantes (nitrogênio), que está o impacto mais sensível da alta do petróleo para o produtor brasileiro até agora. O Brasil importa 70% do nitrogênio, 50% do fósforo e 90% do potássio, bem como defensivos e outros insumos agrícolas. O preço da tonelada do adubo formulado aumentou de US$ 300 para US$ 750 no último ano. Os insumos importados já estão sentindo todo o impacto do aumento do preço do petróleo nos últimos 12 meses. Nem todo o aumento foi repassado para o preço dos alimentos. Além do preço do petróleo, existe hoje escassez de nitrogênio no mundo, principal componente dos fertilizantes agrícolas.

Fatores climáticos contribuíram adicionalmente para a alta dos preços: a seca que assolou importantes países produtores, como a Austrália, União Européia e os Estados Unidos no ano passado, destruindo 57 milhões de toneladas de grãos, provocou queda acentuada no nível dos estoques de grãos em nível global (milho e trigo, principalmente), detonando a elevação de preços das commodities agrícolas a partir do final do ano.

Além do preço do petróleo, existe escassez de nitrogênio, principal componente dos fertilizantes agrícolas

A idéia de que o Brasil tem terra abundante e por isso vai ser o celeiro do mundo é uma falácia. O mito dos tais 90 milhões de hectares disponíveis na fronteira agrícola tem maior relevância para a produção pecuária. O Brasil aumentou sua produção de grãos em 145% entre 1990 e 2008, com a expansão de apenas 23,7% na área plantada. Produção de lavouras se faz com inteligência e tecnologia. Terra se tornou um fator menos importante para o incremento da produção de grãos, devido às tecnologias poupadoras de terra. Ademais, o Brasil tem imensas carências de infra-estrutura e logística, que adiam para o longo prazo a incorporação de novas fronteiras na produção de grãos.

A solução para a crise de alimentos virá pela tecnologia. Em recente seminário promovido pelo Instituto Brasileiro de Economia da FGV, no Rio de Janeiro, o pesquisador Eliseu de Andrade Alves, um dos criadores da Embrapa e atual assessor da presidência da mesma instituição, chamou a atenção para o fato de que novas tecnologias já estão disponíveis e que dependem de preços relativos mais elevados para serem adotadas pelos produtores. No longo prazo, essas tecnologias vão aumentar a produtividade dos fatores de produção e assegurar um horizonte de preços mais baixos. Com a visão voltada para o longo prazo, ele prevê a possibilidade de acomodação dos preços de alimentos e se mostra descrente das ameaças malthusianas.

Entretanto, vem do grande Guimarães Rosa o alerta: o problema não está na partida nem na chegada, o que importa é a travessia. Se os custos agrícolas estão elevados e se há possibilidade de solução no longo prazo, não há garantia de que vamos chegar lá. Muito depende do governo, que deverá ser extremamente cauteloso. Preços relativos elevados estão refletindo escassez e são sinais relevantes para os produtores investirem nas novas tecnologias que poupam os insumos. A mera ameaça de intervenção no mercado pode ter efeitos desastrosos e duradouros, capazes de retardar o processo.

Os próximos meses deverão ser de grande volatilidade no mercado. Já está praticamente confirmado que o Brasil está colhendo uma safra recorde de 142 milhões de toneladas de grãos. Entretanto, no hemisfério norte, a safra está sendo plantada agora. No curto prazo, a situação é crítica devido ao delicado equilíbrio entre oferta e demanda global, em razão do baixo nível inicial dos estoques.

Em ano eleitoral, preocupado com a inflação e sentado sobre uma safra recorde, resta saber se o governo brasileiro vai resistir à tentação de intervir no mercado. Nos últimos 10 anos deu mostras de ter aprendido, com os erros do passado, que "a baixa de preços hoje é a menor colheita de amanhã". Mas o arsenal de instrumentos de intervenção não foi extinto e a ameaça existe. Por outro lado, o governo pode fazer muito para ajudar. Uma medida de efeito imediato seria a redução das tarifas de importação de insumos agrícolas

Ignez Vidigal Lopes é PhD em Economia Agrícola e chefe do centro de Estudos do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.

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