Título: UE vai avaliar grau de toxicidade de importados
Autor: UE vai avaliar grau de toxicidade de importados
Fonte: Valor Econômico, 10/06/2008, Brasil, p. A4

Todas as exportações do mundo para a União Européia (UE) estão sujeitas a mais um obstáculo desde o começo do mês, com a entrada em vigor da exigência de pré-registro de 30 mil substâncias químicas utilizadas nos produtos comercializados no mercado comunitário. A medida afeta as vendas brasileiras de etanol, minério de ferro e artigos de consumo, entre outros. O Registro, Avaliação e Autorização de Substâncias Químicas (conhecido pela sigla inglesa Reach) é um monstro burocrático de mil páginas, sem equivalente no mundo, resultado de uma batalha de vários anos entre consumidores, ecologistas e industriais na Europa e com enormes implicações também para a indústria brasileira.

O Reach impõe aos industriais, e não mais às autoridades públicas, avaliar os riscos toxicológicos decorrentes da utilização de seus produtos. Cada substância fabricada ou importada pela Europa em quantidade superior a uma tonelada deverá ser pré-registrada na Agência Européia de Produtos Químicos, que começou a funcionar este mês, em Helsinque (Finlândia). Se um produtor de calçados (do Brasil ou outro país) exportar quantidades usando no total mais de uma tonelada de cola, terá de pré-registrar essa cola na agência, ou esperar que um importador europeu tome a iniciativa.

A regulamentação alcança ácidos, metais, solventes e, por tabela, uma grande quantidade de bens de consumo mais imediatos como equipamentos e construção automotiva e aeronáutica, perfumes, xampu, têxteis, cosméticos, detergentes, pinturas, verniz, adesivos etc. O etanol, já alvo de barreiras, terá de provar que não causa estragos na saúde.

Até agora, os governos deveriam provar a existência de um risco para proibir uma substância. Com a inversão do ônus, Bruxelas espera ser mais eficaz para frear o desenvolvimento galopante de patologias, em particular câncer, provavelmente ligados à ingestão de produtos químicos perigosos.

Até novembro, cerca de 30 mil substâncias deverão ser pré-registradas. O novo sistema prevê a análise de milhares de substâncias, mas deixa aos industriais a escolha de métodos de avaliação. Isso ocorrerá essencialmente com testes sobre animais, mais complicados do que caros. Devem custar entre ? 40 mil e ? 70 mil euros por substância. Analistas calculam pelo menos 1 milhão de testes com animais, a menos que já existam informações de que o produto não afeta a saúde humana e o meio ambiente.

Após a constituição de dossiês, as empresas poderão participar de consórcios ou fóruns de informação, que vão ser abertos na internet em janeiro de 2009. A idéia é juntar os utilizadores de idênticas substâncias e elaborar os estudos toxicológicos, para obter um consenso técnico e reduzir os custos das análises.

Na falta de pré-registro, o produto não poderá ser comercializado na Europa. Para o exportador brasileiro que for atingido pela regulamentação, há duas possibilidades: contratar para todo o processo um "representante exclusivo", que pode ser uma filial ou um importador, ou então uma empresa de consultoria. Só que há o problema de sigilo industrial se escolher um representante, pois ele poderá fazer a mesma coisa para diferentes concorrentes.

A UE estima que o sistema custará até ? 5,2 bilhões de euros para a indústria. Mas estimativas do setor chegam a cifras acima de ? 28 bilhões de euros . A UE argumenta que haverá poupança de mais de ? 50 bilhões de euros com gastos de saúde ao longo de 30 anos, com menos pessoas expostas a produtos químicos perigosos.

Na prática, a UE, com 30% da industria química global, impõe suas regras para o resto do mundo. Os EUA, com 28%, continuam a reclamar dos custos. A Comissão Européia chegou a enviar representantes para explicar o funcionamento do sistema à Confederação Nacional da Indústria (CNI) no Brasil. O país juntou-se a outros países enviando carta a UE pedindo transparência no novo sistema. A Suíça, que tem uma grande indústria química e é um dos maiores parceiros da UE, desta vez resolveu não seguir os passos do vizinho, estimando que suas empresas já têm regras demais a respeitar.