Título: Rede própria de planos de saúde acirra concorrência com hospitais
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Fonte: Valor Econômico, 10/06/2008, Empresas, p. B1

As brigas entre operadoras de saúde e clientes já são velhas conhecidas. Mas hoje, uma década após a criação da lei que regula os planos médicos, um novo tipo de concorrência está gerando embates calorosos. De um lado estão os hospitais independentes, filantrópicos e as seguradoras. Do outro, os hospitais pertencentes a operadoras que estão investindo fortemente em redes próprias para reduzir custos, principalmente depois que se capitalizaram, com os IPOs, nos dois últimos anos. Apenas em 2007 surgiram dez novos hospitais de propriedade de empresas de medicina de grupo, aumentando para 250 o total de unidades próprias no mercado.

O dado é da Abramge, entidade que reúne empresas chamadas de medicinas de grupo - um tipo de convênio que pode ser dono de hospital (ver quadro abaixo).

Nos próximos anos, a concorrência deve ser ainda mais acirrada. A Medial, por exemplo, informou, em nota, que possui R$ 250 milhões em caixa para comprar hospitais e outras operadoras. Esse movimento deve atingir fortemente os hospitais voltados para atender a classe média-alta.

"Acredito que em quatro ou cinco anos, os hospitais destinados à classe média vão ser muito afetados. Essa camada da população é atendida por planos corporativos e empresas como Amil e Medial vão negociar diretamente com o RH das companhias. Em um futuro um pouco mais distante também seremos impactados", disse Claudio Lottemberg, presidente do Hospital Albert Einstein.

"A pressão das operadoras com hospital próprio aumentou muito. Elas querem usar os nossos pronto-socorros, que geram uma rentabilidade menor e demandam altos custos. Mas para internação ou cirurgia, cujo lucro é maior, querem transferir para o seu hospital", diz Valdecir Galvan, diretor-geral do Hospital São Camilo, que possui três unidades em São Paulo e 30 hospitais que atendem pacientes encaminhados pelo SUS.

No Hospital São Luiz, voltado à classe média-alta, Amil e Medial representam juntas de 5% a 8% do faturamento. Há dez anos, esse percentual chegava a 12%. "Os planos de saúde podem captar recursos na Bolsa para construir hospital e eu, como hospital, estou impedido de fazer o mesmo porque não posso ter sócios estrangeiros", diz André Staffa Filho, diretor-presidente do São Luiz, que também concorre com os filantrópicos (isentos de tributos). Com três unidades em São Paulo, Staffa planeja para 2011 uma rede nacional com até oito unidades, mas para isso precisaria de R$ 700 milhões que, segundo ele, poderiam ser captados no mercado financeiro.

Também voltada à classe média-alta, o Hospital e Maternidade Santa Joana, ainda não sentiu o impacto da investida das operadoras porque os procedimentos básicos de ginecologia e obstetrícia não demandam altos custos, diz o diretor Marco Antônio Zaccarelli.

Outra questão é a viabilidade de uma empresa de plano de saúde ter um hospital em seu portfólio. "Um hospital é um investimento de longo prazo, para investidores como fundos de pensão. Acho que essas operadoras vão ter problemas porque os investidores de ações querem retorno rápido", diz Sérgio Lopez Bento, superintendente-geral do Samaritano.

"Um hospital é um tipo de empreendimento que não pode mudar de endereço conforme a demanda da clientela", diz João Alceu, vice-presidente da SulAmérica Saúde, com 1,6 milhão de clientes. Para a concorrente Bradesco Saúde um dos principais índices de satisfação do cliente é a amplitude da cobertura e é muito difícil ter rede própria em todo país. "Com o avanço dos outros planos, acabamos nos aproximando mais dos hospitais independentes", diz seu diretor-geral, Heraclito de Brito Junior. Sua carteira contempla 3,4 milhões de beneficiários, sendo mais de 90% de planos corporativos.

A Unimed Paulistana, que tem 20% de seu atendimento feito em hospital próprio, avalia se vale a pena continuar a investir em unidades. "Com essa onda, há chances de sobrar leito de hospital independente, caso o número de conveniados continue estagnado, como hoje. É preciso analisar se vale a pena investir tanto em prédio", diz Mario Santoro Júnior, presidente da Unimed Paulistana.

O setor de planos privados encerrou 2007 com 39 milhões de beneficiários, segundo a Agência Nacional de Saúde. "Esse setor não cresce muito. Para aumentar de forma repentina a carteira só conquistando clientes do concorrente", afirma José Antonio de Lima, presidente da Associação Nacional dos Hospitais Privados (ANAHP).

Apesar do tema estar em debate, ainda não foi regulamentado pela ANS, que regula a atividade das operadoras de saúde. Mas a criação de uma Gerência de Prestadores no começo deste ano é um sinal de que a ANS pode vir a tratar da questão. A ANAHP e Abramge realizam nas próximas semanas uma série de encontros para discutir o assunto. Em janeiro, a Colômbia, cujo modelo de assistência à saúde é semelhante ao brasileiro, estabeleceu que as operadoras só podem ter até 30% dos atendimentos realizados em rede própria. "É necessário que o Estado intervenha para regular em que local a operadora deve construir hospital e não conforme a necessidade mercadológica", diz Gonzalo Vecina, superintendente corporativo do Hospital Sírio-Libanês.

Voltado ao público da classe popular e com quase 100% do seu atendimento feito em rede própria, a operadora Samcil planeja comprar ou construir três hospitais neste ano. Atualmente, possui dez hospitais, 13 pronto-socorros e 45 centros médicos na Grande São Paulo. Em 2007, a receita somou R$ 330 milhões e a previsão para 2008 é que salte para R$ 500 milhões. "Compramos três planos, que aumentaram em 120 mil a carteira", diz Mauro Bernacchio, diretor-geral da Samcil.

Procurados pelo Valor, Amil, Medial e o Hospital Nove de Julho, cujo sócio principal é o mesmo da Amil, informaram que não tinham porta-voz disponível.