Título: A Convenção de Nova York e a revolução da arbitragem no mundo
Autor: Wald , Arnoldo
Fonte: Valor Econômico, 10/06/2008, Legislação & Tributos, p. E2

Em 10 de junho de 1946, as Nações Unidas aprovaram a Convenção de Nova York para o reconhecimento e execução das sentenças arbitrais estrangeiras, que, desde então, mereceu ser ratificada por mais de 140 países, de modo que se tornou universalmente aceita. Em 50 anos, a convenção revolucionou a arbitragem, dando-lhe dimensão internacional e facilitando a circulação das decisões arbitrais no mundo inteiro. Constitui, pois, um importante instrumento de solução dos litígios comerciais e, conseqüentemente, de facilitador do comércio internacional.

A Convenção de Nova York surgiu na fase da reconstrução da Europa, após a Segunda Guerra Mundial, e no início da guerra fria. Foi uma época na qual os sonhos de paz universal e a garantia dos direitos humanos, que inspiraram a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), encontravam obstáculos sérios nas relações entre os países de formação, cultura e ideologia diferentes, em relação aos quais era preciso intensificar o comércio, criando, assim, interesses comuns. Vários países em desenvolvimento queriam substituir a ajuda internacional pelo aumento de suas exportações, com o lema "trade not aid". Por outro lado, existia a cortina de ferro entre a Rússia e os países ocidentais e as relações comerciais poderiam mitigar as divergências e criar interdependências econômicas, que, no futuro, permitiram a globalização. As relações comerciais entre o Ocidente e os países comunistas constituíram, assim, as "armas da paz". Em um clima de desconfiança, entendia-se que os eventuais conflitos comerciais não podiam estar submetidos à Justiça de um dos países interessados. A arbitragem internacional, que já existia anteriormente, mas era pouco praticada, passou, assim, a ter novo fôlego e era preciso dar-lhe a necessária eficácia.

Foi o que fez, com extraordinário sucesso, a Convenção de Nova York, cujo primeiro projeto partiu do mundo empresarial e, em particular, da Câmara de Comércio Internacional (CCI) para, em seguida, obter a adesão entusiasmada das organizações internacionais e, finalmente, a ratificação dos Estados.

No terceiro milênio, a importância crescente dos países asiáticos, o desenvolvimento das economias emergentes e a busca de novos mercados, tanto produtores como consumidores, estão dando novas dimensões, cada vez mais importantes, ao comércio internacional e, conseqüentemente, à arbitragem.

O papel de intensificação do comércio, em virtude da institucionalização da arbitragem internacional, que se deve à Convenção de Nova York, tem alguma analogia com as facilidades criadas, no tocante ao turismo, pelo cartão de crédito internacional ou nas relações comerciais entre empresas, com o crédito documentário. São os de verdadeiros catalisadores econômicos e jurídicos dos efeitos construtivos da globalização.

Proibindo qualquer discriminação entre decisões nacionais e estrangeiras, desburocratizando a homologação das sentenças arbitrais quando tivessem que ser executadas em um país diferente daquele em que foram proferidas e equiparando a decisão arbitral à sentença judicial, a Convenção de Nova York abriu novos caminhos para que os litígios internacionais pudessem ter soluções rápidas e eficazes. Mas foi mais além, ultrapassando o formalismo, ao estabelecer que as cláusulas compromissórias incluídas em qualquer documento obrigavam as partes a se submeterem à arbitragem, independente da assinatura de termos de compromisso.

A convenção inspirou novas leis nacionais, tendo havido alterações na maioria dos países entre 1980 e 2000

Assim, as partes se sujeitavam irrevogavelmente à arbitragem para dirimir os eventuais conflitos futuros antes que os mesmos tivessem surgido. Também limitou os casos de impugnação da homologação das sentenças arbitrais estrangeiras, presumindo a validade das mesmas e fazendo pesar sobre o impugnante o encargo de provar as eventuais ilegalidades. A Convenção de Nova York determinou, ainda, que, na homologação de sentenças estrangeiras, não cabia ao tribunal examinar o mérito das decisões arbitrais, mas tão-somente a regularidade do processo. Finalmente, considerou que somente havendo violação da ordem pública é que as sentenças arbitrais estrangeiras não deveriam ser homologadas.

A convenção também inspirou as novas legislações nacionais elaboradas posteriormente, tendo havido modificações legislativas na maioria dos países entre 1980 e 2000. Assim, no Brasil, a Lei nº 9.307, de 1996, inspirou-se na Convenção de Nova York, em vários dos seus aspectos, e até a aprimorou. Como o Brasil somente aderiu à convenção em 2002, chegou-se a afirmar que, anteriormente, tinha havido uma espécie de ratificação tácita pela legislação nacional brasileira, constituindo uma espécie de "adesão por osmose".

Os tribunais brasileiros tem aplicado a Convenção de Nova York e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) salientou, em vários acórdãos, a importância crescente da arbitragem no comércio internacional, admitindo a prova da existência de cláusula compromissória por todos os meios e até por referência às regras estabelecidas em certo mercados, como o de algodão.

Podemos afirmar que o sucesso da arbitragem, em nosso país, teve três pilares: a nossa Lei de Arbitragem de 1996, a ratificação da Convenção de Nova York pelo Brasil em 2002 e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do STJ que, sucessivamente - o primeiro no plano constitucional e o segundo nas homologações de sentenças arbitrais estrangeiras - consolidaram o instituto.

Em uma fase na qual o país precisa ampliar o seu comércio internacional e incentivar os investimentos, o conhecimento e a divulgação da Convenção de Nova York se tornam necessárias e indispensáveis tanto para os meios jurídicos quanto para o mundo empresarial.

Arnoldo Wald é advogado, professor catedrático de direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), membro da Corte Internacional de Arbitragem e autor dos livros "Direito Civil" em seis volumes, "Direto de Parceria" e "Lei de Concessões"

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