Título: Kadafi contra todos
Autor: Sabadini, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 23/02/2011, Mundo, p. 20

REVOLTA NO ORIENTE MÉDIO

Para o ditador Muamar Kadafi, a morte será a condenação para seus opositores. Nas ruínas do palácio bombardeado pelos Estados Unidos em 1986, vestindo um traje marrom, ele fez um discurso inflamado de mais de uma hora e prometeu lutar pela Líbia ¿até a última gota de sangue¿. Depois de mais de 400 mortos nos confrontos entre policiais e manifestantes, ele convocou seus seguidores e o Exército para saírem às ruas, hoje, e ¿capturarem os ratos¿ ¿ os opositores do regime. Apesar da pressão internacional, de ser suspenso pela Líga Árabe e de sofrer baixas dentro do próprio governo, o mandatário resiste. O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas reuniu-se em Nova York e exigiu ¿o fim imediato da violência¿ contra os civis.

Em seu primeiro pronunciamento desde o início das manifestações, que já duram oito dias, Kadafi abriu seu famoso Livro verde, que descreve a filosofia do governo, para dizer que todos que sejam contra o governo deveriam ser punidos ¿com a morte¿. ¿Entreguem suas armas imediatamente, senão haverá derramamento de sangue. Nós ainda não fizemos uso da força. Mas, se a situação piorar, a utilizaremos, conforme as leis internacionais e a Constituição líbia¿, ameaçou.

O coronel pediu a ajuda da população para prender os opositores. ¿Capturem os ratos, prendam-nos em suas casas. Acabem com eles, onde quer que estejam. Nenhum louco poderá despedaçar nosso país¿, prosseguiu. O ditador, há 42 anos no poder, fez questão de dizer que não deixará o governo sob nenhuma condição. ¿Este é meu país, meu país. Morrerei como um mártir na terra de meus ancestrais. Lutarei até a última gota do meu sangue¿, bradou, enquanto agitava os braços para o alto.

Para Samer S. Shehata, professor do Centro Contemporâneo de Estudos Árabes da Universidade de Georgetown (EUA), a estratégia do regime é assustar a população e a comunidade internacional. ¿A Líbia está passando por uma verdadeira revolução popular, que vai acabar com 40 anos de tirania. É apenas uma questão de tempo para que Kadafi e os membros de seu governo corrupto sejam presos ou fujam do país. A história está do lado do povo líbio¿, sentencia o especialista.

O Conselho de Segurança da ONU, presidido neste mês pelo Brasil, reuniu-se a portas fechadas para discutir a crise. O comunicado divulgado no fim do encontro condenou ¿a violência e o uso da força contra civis¿ e pediu que os culpados sejam responsabilizados. Também foi requisitado o acesso de monitores internacionais de direitos humanos e de agências humanitárias, além de garantias de segurança para os estrangeiros, assim como ajuda aos que desejem partir.

Em Brasília, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, falou sobre a Líbia após um encontro com a colega francesa, Michèle Alliot-Marie. ¿Já dissemos e reiteramos que a violência contra civis desarmados é inadmissível e inaceitável. Isso é extremamente preocupante¿, afirmou o chanceler. Para a ministra francesa, ¿a escalada de violência (na Líbia) é inadmissível¿.

A participação da Líbia na Liga Árabe foi suspensa até que a segurança e a estabilidade voltem a ser garantidas no país, segundo um comunicado oficial. Na Alemanha, a chanceler (chefe de governo), Angela Merkel, classificou o discurso de Kadafi como ¿assustador¿ e pediu o ¿fim da violência contra o povo¿, sob pena de seu governo considerar a opção de aplicar sanções. Na Itália, principal parceiro comercial da Líbia, o primeiro-ministro Sílvio Berlusconi telefonou para Kadafi, mas não comentou o assunto.

Deserções em massa Embaixadores, ministros e funcionários de alto escalão do governo líbio renunciaram a seus cargos nos últimos dois dias. Ontem, o ministro do Interior, Abdel Fatah Yunes, anunciou que pretende ¿seguir a causa do povo¿. O embaixador líbio nos Estados Unidos, Ali Aujali, pediu demissão para não participar de ¿um regime ditatorial¿. No Brasil, o embaixador Salem Ezubdi preferiu não comentar o caso. A embaixada divulgou um comunicado do governo líbio, acusando os manifestantes de sofrerem influência estrangeira: ¿A maioria veio do Afeganistão e tem relações com a Al-Qaeda¿.