Título: Até técnico de futebol?
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 11/06/2008, Opinião, p. A12

Todos os anos retornam ao trabalho nas escolas públicas os mesmos professores, bons ou maus, salvo as exceções de sempre, por aposentadoria ou mudança de emprego. Sobre isto, um garoto da escola pública me perguntou: "Os mais velhos vivem dizendo que a educação é importante, que determina o futuro da nação; mas se até técnico de futebol incompetente é demitido, porque o mesmo não ocorre com os professores?"

Essa foi a minha tentativa de resposta: não somente no Brasil é assim. Os professores das escolas públicas entram na carreira por concurso e ganham estabilidade no emprego. São promovidos em função dos anos de experiência no trabalho e a realização de cursos ou especialização.

Existem dois problemas com esta estrutura. Primeiro, estudos mostram que mais experiência e especialização não indicam que o professor seja melhor. Por "melhor professor" deve-se entender aquele que aumenta o aprendizado do aluno. Portanto, aumentar seus salários em função destas variáveis não se justifica, pois eles não passam a ser mais produtivos. Segundo, a estabilidade no emprego é contraproducente. Impede que os professores incompetentes sejam demitidos e mina os incentivos dos demais em realizar um bom trabalho, pois não serão reconhecidos e recompensados financeiramente por isto.

É importante deixar claro que bons professores são fundamentais para a qualidade da educação. Eles operam verdadeiros milagres. Por exemplo, estimativas sugerem que ter um bom professor durante cinco anos seguidos pode eliminar o diferencial de desempenho médio em matemática entre crianças provenientes de famílias de baixa renda e aquelas vindas de famílias de alta renda. Em outras palavras, ele pode compensar o background familiar desfavorável que afeta negativamente o desempenho dos mais pobres. Identificar os bons professores não é uma tarefa difícil. É só perguntar para os diretores das escolas e o grupo de professores. Eles sabem. No entanto, a atual estrutura, com as características mencionadas acima, não permite que essas informações sejam utilizadas para a premiação deles.

Para garantir bons professores e elevar a qualidade da educação, não existem milagres. A fórmula é: atrair os melhores e demitir os piores. Várias mudanças poderiam ser feitas nesta direção.

A mais óbvia seria acabar com a estabilidade do emprego, o que exigiria uma reformulação na legislação trabalhista. No entanto, permitir a demissão sem a concomitante implantação de uma gestão profissional nas escolas seria um desastre. Isto porque muitos diretores das escolas, que seriam os responsáveis últimos pelas demissões, são escolhidos hoje para atender interesses de políticos. Imagine o número de demissões injustas ou motivadas por perseguições políticas que aconteceria num ambiente como este.

É preciso liderança que reconheça necessidade da mudança na educação e a mobilização da sociedade para vencer lobbies rivais

Numa gestão profissional, diretores não poderiam ser escolhidos politicamente. Eles, juntamente com os professores, teriam que ter metas a cumprir. Por exemplo, elevar as médias das notas dos seus alunos nas provas de avaliação do Ministério da Educação. Caso essas medidas fossem descumpridas de forma recorrente, os responsáveis seriam passíveis de demissão.

Como alternativa ao fim da estabilidade, existem duas opções. A primeira é contratar professores fora do regime atual. Um exemplo é a cidade de Chicago, que treina e contrata profissionais qualificados como professores. A segunda é oferecer aos atuais professores a opção de migrar voluntariamente para outro regime, com salários maiores, mas com possibilidade de demissão e sem estabilidade. Aos novos contratados, somente seria oferecido o novo regime. Essas duas opções teriam efeito de longo prazo. Isto porque não seriam capazes de eliminar os maus atuais professores antes da sua aposentadoria, pois eles certamente não optariam pelo novo regime. De novo, essas mudanças não poderiam ser efetuadas sem uma alteração na legislação trabalhista.

Um aumento de salários quase sempre é uma boa saída para atrair melhores profissionais. O problema é que, no atual regime, bons ou maus professores são beneficiados. Não existe hoje a possibilidade de discriminar os salários em função da produtividade do professor. Caímos, então, no mesmo problema de antes: a necessidade de mudança na legislação.

Só que implementá-la não é trivial. Apesar de a sociedade ser beneficiada com o conseqüente aumento da qualidade da educação, alguns grupos mobilizados seriam prejudicados e, por isso mesmo, contrários. Para se ter êxito é preciso uma receita com alguns ingredientes importantes: a existência de uma liderança que reconheça a sua importância; a mobilização da sociedade a seu favor por meio de uma discussão transparente para vencer os lobbies contrários.

No passado, a sociedade brasileira já conseguiu se mobilizar para pôr fim a políticas indesejáveis do ponto de vista social que beneficiavam pequenos grupos bem mobilizados. É só lembrar o processo de privatização e as manifestações públicas de grupos contrários e suas tentativas de bloqueios judiciais do processo. No final prevaleceu o interesse coletivo e hoje a sociedade se beneficia, por exemplo, da revolução nas telecomunicações. O mesmo ocorreu no processo de combate a inflação. Durante as décadas de 80 e 90, a inflação elevada prejudicava principalmente a maioria silenciosa, os mais pobres, que não tinham acesso aos mecanismos de defesa do poder de compra oferecidos pelo setor bancário. Hoje, a estabilidade monetária é uma conquista da sociedade que dificilmente será revertida. Em suma, é possível fazer também uma revolução semelhante na área da educação. Mas não é uma tarefa fácil.

Satisfeito com a minha resposta, questionei o garoto, que voltou a me perguntar: "Mas até técnico de futebol?"

Eduardo de Carvalho Andrade é PhD em economia pela Universidade de Chicago e Professor do Ibmec São Paulo, eduardo.andrade@isp.edu.br