Título: Dilma cogitou existência de contrato de gaveta, diz Denise
Autor: Rittner , Daniel ; Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 12/06/2008, Política, p. A11

Em tom de desafio a muitos senadores e aproveitando-se do desconhecimento dos parlamentares sobre os trâmites de compra da VarigLog pela Volo do Brasil, a ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) Denise Abreu voltou ontem ao ataque e, mesmo sem apresentar provas de suas denúncias, forneceu novos detalhes a respeito da suposta pressão exercida pela Casa Civil.

Denise contou que, em reunião no Palácio do Planalto, a ministra Dilma Rousseff falou abertamente sobre a possibilidade de existência de um contrato de gaveta mudar a composição societária da VarigLog que era avaliada naquele momento, tendo à frente três sócios brasileiros apontados como "laranjas" do fundo americano Matlin Patterson. Segundo a ex-diretora, Dilma usou a hipótese desse contrato como argumento para atacar a insistência de Denise em obter comprovação sobre a origem do capital investido pela Volo e declarações de Imposto de Renda dos sócios brasileiros.

"A ministra Dilma não disse que existia um contrato de gaveta. Ela disse que não adiantava forçar e oficiar o Banco Central porque podia existir um contrato de gaveta entre as partes", afirmou Denise, em depoimento de mais de nove horas à Comissão de Infra-Estrutura do Senado, que viveu clima de CPI, com direito a bate-boca - como uma discussão ríspida entre os senadores Aloizio Mercadante (PT-SP) e Flexa Ribeiro (PSDB-PA).

Somente dois anos após o aval da Anac à compra da VarigLog, em reunião no dia 23 de junho de 2006, apareceu publicamente um contrato entre os sócios da Volo do Brasil que dava ao Matlin Patterson a possibilidade legal de dispor livremente das ações dos três sócios brasileiros, abrindo caminho para burlar a legislação que limita em 20% a participação de estrangeiros em companhias aéreas nacionais.

Após as reuniões daquela semana no Planalto, o procurador-geral da Anac, João Ilídio, mudou sua interpretação de que a falta de documentos do Banco Central e da Receita Federal impediam o sinal verde da agência ao negócio. As exigências eram feitas por Denise. "Fui expressamente indagada sobre o porquê dessas exigências", disse a ex-diretora, que descreveu as reuniões como pesadas, com duração de até nove horas, que eram quase uma sabatina. "Éramos tratados (na Casa Civil) como crianças, como se fôssemos incompetentes", comentou Denise, acrescentando que a viam como "a dinossaura do Direito".

De acordo com a ex-diretora, no dia da reunião que acabou aprovando a operação entre Volo e VarigLog, o procurador João Ilídio havia recém-saído de uma internação hospitalar e chegou à Anac por volta de 18h. Denise disse que ele relatou ter recebido ligações da Casa Civil e uma proposta de visita do subchefe de assuntos jurídicos, Sérgio Renault. À noite, a diretoria colegiada da Anac aprovou a transação, baseando-se em um novo parecer de Ilídio. "O parecer derrubava toda a argumentação que ele mesmo fez em abril", lembrou Denise, em referência à primeira análise da diretoria da Anac sobre o assunto. "Em algumas horas, foi feito um parecer novo que derrubou o entendimento anterior", acrescentou.

Boa parte do depoimento de Denise girou em torno da discussão sobre outro parecer, elaborado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que descartava o risco de sucessão trabalhista e fiscal aos compradores da Varig. Esse documento foi redigido por Luís Adams, que substituiu Manoel Felipe Brandão. O antecessor de Adams tinha interpretação diferente: apontava o risco de sucessão e acabou deixando o cargo. Segundo Denise, Brandão considerava que qualquer avaliação oposta a essa "abriria um precedente que ele dizia ser caótico."

A ex-diretora da Anac afirmou ter sido vítima de um falso dossiê, que também acusava o ex-diretor Jorge Velozo e o secretário-geral do Sindicato Nacional das Empresas Aéreas, Anchieta Hélcias, escrito em inglês com falhas e remetido a ela dois meses e meio após sua renúncia na agência. Denise disse que esse falso dossiê citava contas bancárias em Luxemburgo e no Uruguai que ela nunca teve, bem como "um número de cartão American Express que não existia".

Denise fez uma defesa emocionada de sua atuação na agência e poupou de críticas o ministro da Defesa, Nelson Jobim, que batalhou abertamente por sua saída do cargo. "Hoje tenho certeza de que foi uma desculpa para todo o massacre arquitetado", afirmou. Elogiou o comandante da Aeronáutica, Juniti Saito. Segundo a ex-diretora, "a FAB foi responsável por resolver os problemas de atraso em julho de 2007". Fez ainda uma defesa de seu irmão, que prestou trabalhos de advocacia para a TAM, ao mesmo tempo em que negou veementemente qualquer ato que tenha beneficiado a empresa enquanto esteve na Anac ou na Casa Civil.