Título: O Brasil precisa de ataque comercial
Autor: Bonomo , Diego Zancan
Fonte: Valor Econômico, 12/06/2008, Opinião, p. A14

O empresário brasileiro que enfrenta a concorrência do produto importado dispõe de um leque nada desprezível de instrumentos de política comercial que permitem o resguardo da sua fatia de mercado e evitam dano a sua produção. No entanto, ao defrontar-se com barreiras às vendas externas de seus produtos, sobretudo as que vão além de simples tarifas alfandegárias, o exportador brasileiro está, em certa medida, por conta própria. O desequilibro entre os mecanismos voltados à defesa do produtor doméstico e aqueles destinados a assegurar o acesso aos mercados estrangeiros é notório. Essa é uma situação que o país, integrado como está à economia internacional e dependente como é de uma agressiva estratégia exportadora, não pode se dar ao luxo de aceitar.

Quando uma empresa brasileira sente-se atingida pela concorrência do produto importado pode recorrer a um dos três instrumentos previstos pelas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC): aplicação de direitos antidumping, medidas compensatórias ou salvaguardas.

O primeiro é a imposição de uma tarifa adicional às vendas do concorrente estrangeiro que esteja praticando dumping, isto é, a venda do produto no mercado brasileiro abaixo do seu valor no mercado de origem. O segundo refere-se à adoção de uma alíquota complementar àquela do imposto de importação quando o concorrente estrangeiro é subsidiado por seu governo de maneira a causar dano à indústria doméstica. O último é a aplicação de tarifa adicional às importações do produto afetado pela concorrência, qualquer que seja sua origem, quando há um "surto imprevisto de importações".

A esse conjunto de instrumentos dá-se o nome de "defesa comercial". No Brasil, todos estão codificados em legislação específica. A autoridade responsável pela sua operacionalização é o Departamento de Defesa Comercial (Decom) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Quando as empresas brasileiras decidem acionar um dos três mecanismos, os técnicos do Decom avaliam se há elementos suficientes para abertura de investigação e, em caso positivo, dão início a um processo que busca, por meio de critérios técnicos, determinar a ocorrência de uma das situações descritas anteriormente.

Como se percebe, as empresas ameaçadas pela concorrência estrangeira possuem instrumentos suficientes para assegurar sua defesa. O mesmo não ocorre, contudo, com as exportadoras.

Vencida a etapa doméstica, que normalmente vem acompanhada de excessiva burocracia, o exportador enfrenta barreiras para o acesso de seus produtos aos mercados externos. As mais tradicionais, como as tarifas e restrições quantitativas (quotas), há muito vêm sendo reduzidas pela diplomacia comercial do Brasil. No entanto, há uma vasta gama de barreiras ditas "não-tarifárias" - ou BNTs, no jargão da OMC -, que tomam corpo na forma de normas técnicas, medidas sanitárias e fitossanitárias, uso abusivo dos instrumentos de defesa comercial, práticas restritivas por parte dos governos ou das empresas domésticas, regulação impeditiva a prestadores de serviços e investidores, entre outras.

É necessária a criação de um mecanismo que dê à política comercial do Brasil o foco ofensivo de que tanto precisa

Eis, então, o problema: o exportador brasileiro não dispõe de um mecanismo legal que torne obrigatória, assim como o faz a legislação sobre defesa comercial, a investigação de uma determinada barreira, desde que haja cumprimento de certos requisitos - ou seja, desde que o pleito seja legítimo. Em outras palavras, o Brasil não possui "ataque comercial".

A experiência internacional mostra que o caminho não é esse. Tanto os EUA como a União Européia (UE) dispõem de mecanismos formais para o que denominam "acesso a mercados". No primeiro caso, trata-se da chamada Section 301, legislação que prevê rito processual específico para a investigação de barreiras externas. No caso europeu, a empresa pode acessar o Trade Barriers Regulation (TBR), que prevê processo semelhante.

A Section 301 norte-americana, é bom lembrar, foi questionada na OMC pelos próprios europeus porque continha elementos de unilateralidade. Quando se chegava à conclusão de que havia uma determinada barreira externa, os Estados Unidos ameaçavam retaliar comercialmente o país em questão caso o problema não fosse resolvido. No entanto, não é esse sistema que se propõe para o Brasil. Na prática, defende-se apenas a codificação do que já existe.

A proposta é a de regulamentar o seguinte processo. O pleito seria levado pelo empresário ao conhecimento do governo brasileiro de maneira formal, no âmbito da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), que criaria um grupo de trabalho para analisar a barreira indicada pelo exportador em uma petição. Dele tomariam parte, essencialmente, a Coordenação Geral de Contenciosos (CGC) do Ministério das Relações Exteriores (MRE), divisão responsável pela avaliação da legalidade da medida à luz das regras da OMC, e os órgãos com jurisdição sobre a matéria. No caso de uma medida sanitária, por exemplo, seria incluído o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). O grupo, então, consultaria o setor afetado pela barreira e prepararia um relatório que apontaria: 1) a eventual ilegalidade da medida estrangeira; e 2) a sugestão de solução da questão. A partir daí, os ministros de Estado reunidos na Camex tomariam a decisão política sobre como proceder.

Com o relatório nas mãos, diplomatas e empresários podem iniciar um processo negociador para chegar a bom termo com o país-alvo da investigação. Se a barreira for ilegal, pode-se sempre avaliar o uso do sistema de solução de controvérsias da OMC. Se for politicamente sensível, há possibilidade de valer-se de técnicas de negociação e barganhas em outras áreas.

A criação do mecanismo nada mais seria do que a materialização, em lei, do procedimento informal que já opera na prática. Sua formalização é importante, pois assegura, em primeiro lugar, previsibilidade. O empresário tem a garantia de que o pleito será analisado e o governo assegura a institucionalização da prática, dividindo competências entre suas áreas técnicas e evitando disputas burocráticas. Além disso, garante transparência e participação em todo processo, seja pela empresa ou entidade empresarial solicitante, seja pelos órgãos de governo responsáveis pela condução da política comercial do Brasil. Um ponto específico quanto a este aspecto é a necessidade de publicação do relatório final, como ocorre nas investigações de defesa comercial. Por fim, a codificação do rito processual em lei permite equilíbrio entre as esferas técnica e política e cria, ao final do processo, um instrumento negociador nada desprezível. Por conter requisitos mínimos para seu acionamento, garante ainda que o pleito seja "legítimo", ou seja, que não haja abuso por parte do setor privado.

O trabalho de levantamento das barreiras já conta, no país, com a importante iniciativa da Embaixada do Brasil em Washington, que prepara, anualmente, um relatório sobre as medidas e práticas que afetam o exportador e o investidor brasileiros no mercado norte-americano. Agora, cabe a criação de um mecanismo que dê à política comercial do Brasil o foco ofensivo de que tanto precisa no grande jogo da abertura dos mercados, pois como afirma a máxima futebolítisca, quem não faz, toma.

Diego Zancan Bonomo é diretor-executivo do Brazil Information Center (BIC), entidade de representação empresarial brasileira baseada em Washington DC, Estados Unidos. E-mail: diego@brazilinfocenter.org