Título: Desenvolvimento, crise e recuperação da indústria
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 12/06/2008, Opinião, p. A15

Na relação com outros poucos países da periferia mundial que conseguiram avançar na industrialização, o Brasil apresenta dois aspectos especiais. O primeiro refere-se à constituição do Estado simultaneamente à explosão da Revolução Industrial, permitindo diferenciar-se das demais experiências de descolonização que acompanharam os países que ousaram instalar uma estrutura industrial ampla e diversificada. O segundo aspecto revela a escassa experiência do núcleo tecnológico endógeno na industrialização brasileira equivalente aos países centrais, indicando o avanço insuficiente da base técnico-produtiva.

Na fase de relativa estabilidade tecnológica mundial, quando o Brasil conseguiu internalizar entre as décadas de 1930 e 1970 as bases da industrialização oriunda da segunda Revolução Industrial e Tecnológica surgida no final do século XIX, a expansão da estrutura industrial ocorreu associada à liderança dos capitais estrangeiros. Noutras palavras, parte importante da estrutura industrial dependeu da transferência de módulos fabris capazes de reproduzir a fábrica matriz por meio de empresas filiais no Brasil, que mantiveram distantes, em geral, as funções relacionadas às inovações tecnológicas.

Ademais da presença determinante das fontes tecnológicas estrangeiras, constata-se também que a instalação do parque produtivo industrial manteve-se dependente do financiamento externo. Com isso, o Brasil, após meio século de industrialização, permanecia ainda sem conseguir reduzir substancialmente o grau de dependência externa. Isso tendeu a se agravar mais a partir da arrancada de uma nova onda de modernização tecnológica desde a década de 1970, acompanhada de profunda alteração na posição das grandes corporações transnacionais e nas modificações do sistema financeiro internacional, com o esgotamento do padrão monetário e das instituições reguladoras instaladas desde o segundo pós-guerra mundial (Sistema de Bretton Woods). A partir de então, frente ao movimento mais geral de concentração e centralização do capital no interior dos grandes grupos econômico-financeiros do mundo, com ampliação dos investimentos em tecnologia e ampliação do comércio intrafirmas, o Brasil ingressou - por mais de duas décadas - numa grave crise no seu sistema produtivo que terminou por transformar profundamente a forma anterior de inserção na economia mundial. Sob o baixo dinamismo da produção e a semi-estagnação da renda per capita que se seguiram à crise da dívida externa (1981 a 1983), importantes modificações foram sendo introduzidas no interior do sistema produtivo, capazes de torná-lo ainda mais dependente de fontes externas de tecnologia.

De um lado, a adoção seguida de programas de constantes ajustes fiscais levou à contenção e modificações no curso do Sistema Brasileiro de Ciência e Tecnologia em construção desde a década de 1940. Afetou, sobretudo, o conjunto de procedimentos, de recursos e de ações dos organismos de financiamento e apoio à pesquisa, bem como os próprios centros nacionais de produção de conhecimento. Da mesma forma, notou-se que a partir da década de 1990, com a privatização do setor produtivo estatal, ocorreu uma importante desarticulação nos ambientes de pesquisa e desenvolvimento mantidos por grandes empresas públicas e aplicados às atividades produtivas.

De outro lado, a desconexão do Sistema Brasileiro de Ciência e Tecnologia agravou-se ainda mais com a abrupta e despreparada abertura comercial, produtiva e financeira conduzida pelo país ao longo dos anos 90. Além do vigor da onda de internacionalização das empresas privadas nacionais (compra pelo capital estrangeiro), ganhou crescente destaque a opção pela aquisição externa de "pacotes tecnológicos" ao invés da produção interna ou em parceria cooperada.

Nesse contexto, o Brasil parece ampliar o grau de heterogeneidade no interior do seu sistema produtivo. Destaca-se, assim, o aparecimento de uma superelite de empresas e de trabalhadores que se diferenciam significativamente do conjunto da estrutura industrial devido ao peso nos investimentos em tecnologia e na especialização qualitativa de seus empregados. Tudo isso vem alcançando dimensão destacada a partir do esgotamento do projeto de desenvolvimento durante a década de 1980. De lá para cá, observa-se que a indústria de transformação interrompeu a longa trajetória de expansão de sua participação tanto no Produto Interno Bruto (PIB) quanto na ocupação total do país. De 1950 a 1980, a indústria de transformação aumentou sua participação relativa em 86,1% no PIB e 35,2% na ocupação total.

Nas duas últimas décadas, no entanto, a indústria de transformação perdeu 66,1% de participação relativa no PIB, enquanto a ocupação teve uma queda relativa de 33,5%. Com a mudança do regime cambial, em 1999, o peso da indústria de transformação voltou a recuperar 13% de sua participação relativa no valor agregado nacional. O emprego na indústria de transformação também recuperou em 20,6% a sua participação relativa no total da ocupação. Com as ações governamentais tomadas especialmente no segundo governo Lula, o fortalecimento do setor industrial tornou-se mais evidente, como apontam o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP). O melhor resultado disso, contudo, pode ser arrefecido pelas medidas de curto prazo, como as políticas monetárias e cambiais que parecem aprisionar o país ao regime da semi-estagnação e especialização produtiva.