Título: Oxitec muda genética de mosquito para combater dengue
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Fonte: Valor Econômico, 12/06/2008, Empresas, p. A13

Num laboratório quente e úmido, um exército de mosquitos geneticamente alterados voa dentro de caixas de plástico transparente, num banquete de sangue de cavalo. Criados pela Oxitec Ltd., uma empresa iniciante, os insetos têm a missão de matar sua espécie com a mais potente das armas: sexo.

Graças a uma modificação genética, todos os mosquitos machos nascem estéreis. Quando cruzam, sua prole herda o defeito e morre ainda em estágio larval. Se um número suficiente é solto, eles podem superar os machos normais na batalha por fêmeas e acabar dizimando a população.

Um plano, ainda em estágio inicial, foi traçado para lançar os insetos a 10.000 quilômetros de distância, na Malásia. Autoridades andam desesperadas para controlar uma epidemia de dengue que, como a febre amarela, é transmitida pelo mosquito conhecido como Aedes aegypti. Naquela que deve ser a primeira inserção de insetos geneticamente programados para matar outros insetos, cientistas podem soltar milhões deles para dizimar a população de Aedes aegypti e, esperam, acabar com as doenças que eles transmitem.

Mas é uma grande esperança. A dengue, que pode ser fatal e se tornou um dos maiores problemas de saúde pública no Brasil no último verão, infecta 50 milhões de pessoas no mundo a cada ano, estima a Organização Mundial de Saúde, e 2,5 bilhões estão sob risco.

O projeto também tem causado preocupações. "Quais as conseqüências sobre o ecossistema se você elimina toda uma espécie?", pergunta Gurmit Singh, presidente da organização sem fins lucrativos Centro para o Ambiente, Tecnologia e Desenvolvimento da Malásia. "Você pode resolver um problema, mas criar outro."

Em abril, jornais locais noticiaram que o governo malásio começaria em breve a soltar os insetos numa ilha perto da capital Kuala Lumpur. Depois de protestos públicos, o governo insistiu que a operação não era iminente.

Como forma de controle de infestações, insetos machos já foram soltos muitas vezes antes. Os Estados Unidos usaram o método em 1966 para se livrar de uma mosca que come carne conhecida como mosca-bicheira. Em Zanzibar, machos estéreis eliminaram a mosca tsé-tsé nos anos 90. Em ambos os casos, os insetos foram esterilizados à moda antiga, com radiação. A técnica nunca funcionou bem em mosquitos ou pernilongos, embora uma recente experiência no Sudão tenha mostrado resultados promissores. Na verdade, cientistas agora estão nos primeiros passos para construir uma fábrica de irradiação de mosquitos para criar 1 milhão de machos estéreis por dia.

Bulir com a formação genética de um inseto é uma idéia mais radical. Pesquisadores na Índia e França criaram bichos-da-seda geneticamente modificados para defender contra um vírus que costuma matá-los. Há esforços similares para fazer mosquitos transgênicos que não transmitam malária.

Nos EUA, cientistas irradiaram e soltaram milhões de lagartas-rosadas para controlar populações da praga do algodão. No ano passado, o Departamento de Agricultura do país deu um passo além. Das 2,4 milhões de criaturas soltas no sul do Arizona, metade tinha uma alteração genética: uma peça extra de DNA que lhes dava marcas vermelhas fluorescentes pelo corpo, o que as tornava mais fáceis de identificar sob o microscópio.

Criadas pela britânica Oxitec, as lagartas transgênicas "se comportam como as linhagens não transformadas", diz Greg Simmons, um entomologista do Departamento de Agricultura.

A Oxitec foi desmembrada da Universidade de Oxford em 2002 e ainda tem participação acionária da instituição. Em seus laboratórios numa tarde recente, um pesquisador usava uma fina agulha de vidro para injetar DNA líquido num embrião de mosquito. A esperança era que o DNA pudesse se abrigar numa parte adequada do genoma do embrião.

É um processo trabalhoso. "Precisamos fazer alguns milhares de injeções para ter só um sucesso", diz Luke Alphey, um dos fundadores e cientista-chefe do Oxitec. Quando funciona, o gene inserido produz proteínas fluorescentes nas larvas que saem dos ovos.

As criaturas transgênicas têm uma propriedade mais importante: suas crias são programadas para morrer em estado larval se não forem alimentadas com tetraciclina. O antibiótico é parte de sua dieta no laboratório. Como não têm acesso à tetraciclina em seu habitat, as larvas não podem sobreviver.

Só as fêmeas dos mosquitos picam humanos e animais para se alimentar. (Os machos não picam, eles sugam o sumo adocicado de plantas.) Depois de cruzar, elas precisam da proteína de uma refeição de sangue para desenvolver seus ovos. Assim, quando as fêmeas sentem o cheiro de uma pessoa, ficam mais inclinadas a cruzar.

"Humanos emitem mais de 300 odores - é assim que os mosquitos nos acham", diz Bart Knols, entomologista da Universidade e Centro de Pesquisas Wageningen, na Holanda, que está familiarizado com a pesquisa da Oxitec. (Knols entende de cheiros ruins: em 1996, ele publicou um paper mostrando que a fêmea do mosquito da malária era atraída pelo fedor do queijo Limburger, que confundia com o do pé humano.)

Cientistas malásios testaram recentemente os insetos da Oxitec numa casa de quatro cômodos construída especialmente para isso. Pesquisadores voluntários se revezaram sentando atrás de uma rede protetora e servindo como estímulo olfativo para dez fêmeas de mosquito que haviam sido soltas na casa. Dez machos selvagens e dez especiais da Oxitec também estavam no pedaço. A grande questão: será que as fêmeas prefeririam os machos geneticamente esterilizados ou os selvagens?

Depois de oito horas, as fêmeas foram separadas e puderam jantar sangue de ratos. Depois foram colocadas em frascos onde poderiam botar seus ovos. Se uma larva ao sair do ovo tivesse as marcas fluorescentes no corpo, ficaria claro que o pai era um mosquito da Oxitec.

Depois de algumas dúzias de experimentos assim, os resultados indicaram que as fêmeas não demonstraram preferência pelos machos normais. O próximo passo possivelmente será um experimento controlado para medir a eficiência da técnica no habitat natural.

Há questões também de segurança. Geneticistas, por exemplo, temem uma transferência horizontal de genes, em que o DNA alienígena de mosquitos da Oxitec acabe saltando para micróbios ou outro organismos, sem as conseqüências fluorescentes, prejudicando assim outras espécies. E embora sejam diminutas as chances de mutações aleatórias que devolvam a fertilidade aos machos, a probabilidade cresce quando milhões de mosquitos transgênicos cruzam na natureza.

Cientistas "presumem que esses acidentes não vão acontecer, mas não há provas de que não vão", diz Joe Cummins, professor emérito de genética da Universidade de Ontário Ocidental, no Canadá, que recentemente foi um dos autores de um longo artigo que criticava os aspectos de segurança do projeto de mosquitos da Malásia.

Alphey, da Oxitec, está menos preocupado. "É preciso olhar para isso caso a caso para entender qual DNA foi inserido e como foi inserido" num inseto transgênico, diz ele. "Não achamos que nossa linhagem apresente um risco significativo."