Título: Cientista vê pesquisa em baixa nos EUA
Autor: Bouças , Cibelle
Fonte: Valor Econômico, 13/06/2008, Brasil, p. A7

As restrições ao crédito para pesquisas com inovação não são um problema exclusivo do Brasil. Mesmo nos Estados Unidos, que durante décadas lideraram o desenvolvimento de novas tecnologias, a situação é semelhante, afirma o cientista e engenheiro americano Kim Eric Drexler. O cientista foi o primeiro PhD em nanotecnologia no mundo e o primeiro a introduzir o termo, derivado de nano, a bilionésima parte do metro.

Essa parte da ciência é dedicada basicamente à reestruturação e à padronização de átomos e moléculas, aumentando a eficiência de materiais ou permitindo a criação de produtos de alta performance. É o caso da IBM, que desenvolve no Canadá um modulador eletro-óptico de silício, que transforma pulsos elétricos em luz e sua utilização em processadores permite a transmissão de dados em velocidade 100 vezes mais rápida que a utilizada nos computadores atuais, com consumo de energia equivalente a 10% da gasta hoje.

Atualmente diretor do Foresight Institute, instituto de nanotecnologia molecular, com sede em Menlo Park, na Califórnia, Drexler dedica parte do seu tempo à divulgação científica e à promoção de pesquisas no setor em todo o mundo. Em entrevista ao Valor, ele revelou que a liberação de recursos para pesquisas com inovação tecnológica está mais escassa e difícil nos Estados Unidos. Nesse cenário, abre-se um espaço para que países emergentes - entre os quais ele cita os Bric - avancem no desenvolvimento de novas tecnologias e disputem a liderança na área de pesquisas.

"Ásia e China particularmente estão avançando muito rapidamente em pesquisas com inovação. A quantidade e a qualidade dessas publicações também estão melhorando", avaliou. De acordo com o cientista, durante a segunda metade do século XX, as pesquisas com inovação, sobretudo as que adotam a nanotecnologia, ficaram concentradas nos Estados Unidos e em países da Europa e Ásia. Pesquisas em menor quantidade também eram realizadas nos países em desenvolvimento. "Naquele cenário, Estados Unidos e Europa eram os principais responsáveis por abrir novas frentes de pesquisa. Os países da Ásia geralmente partiam dessas descobertas para expandí-las e para dar-lhes uma utilidade prática", afirmou.

O cenário global mudou com o avanço dos investimentos em países como Índia e China. Nos Estados Unidos, disse Drexler, houve redução na liberação de recursos para pesquisa, mas nada associado à desaceleração econômica naquele país. "Por razões políticas, nos Estados Unidos, as agências de fomento governamentais decidiram inibir o financiamento das pesquisas de longo prazo e focar as que trazem resultados comerciais imediatos. Ao tomar essa decisão, o governo cria oportunidade para que o país perca a posição de liderança e para que os países em desenvolvimento busquem ocupar essa posição", afirmou.

Em relação ao Brasil, disse, as políticas de inovação criadas em 2004 contribuíram para alinhar a pesquisa brasileira à internacional. "Os esforços brasileiros são relativamente pequenos e novos, mas estão se emparelhando com o realizado em outros países. O trabalho que tenho visto nos laboratórios que visitei é de alta qualidade e contribuirá para o avanço da capacidade de pesquisa no mundo", afirmou. Na visita mais recente de Drexler ao Brasil, feita na última semana de maio, ele visitou o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), a Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro) e a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul.

As pesquisas em território brasileiro têm como principal foco o desenvolvimento de máquinas em escala nanométrica, nanossistemas e a produção de moléculas de alta eficiência nas áreas médica e farmoquímica. "Esses são avanços que serão úteis na evolução da tecnologia antes da nanotecnologia existir", disse Drexler. Para o cientista, a nanotecnologia ainda vive uma fase inicial.

Os nanossistemas em desenvolvimento serão utilizados como matéria-prima para a construção de novas tecnologias. Um exemplo, citou, será a criação de processadores menores que uma célula humana, com capacidade para reconhecer e destruir vírus ou células cancerígenas - ou mesmo com capacidade de reparar defeitos em células doentes. "Nossas células estão cheias de estruturas moleculares, que não são mais do que nanossistemas produtivos trocando informação com outras estruturas. O que vejo para o futuro é a criação de sistemas similares, capazes de fazer o que esses componentes moleculares realizam", afirmou.

A mesma tecnologia poderá ser adotada na indústria, para a fabricação de materiais mais eficientes, ou mesmo no meio ambiente, com o desenvolvimento de nanossistemas capazes de quebrar as moléculas de dióxido de carbono (CO2), convertendo-os em carbono e oxigênio. "Há uma longa lista de aplicações", disse. O caminho visualizado por Drexler exigirá a superação de desafios ao longo de algumas décadas. "Superar cada um deles envolve processos de precisão atômica, que desembocarão em proto-sistemas e nanossistemas mais eficientes e, finalmente, evoluirão a um ponto que levará a experiência tecnológica a resultados revolucionários."