Título: Para economistas, piora da inflação estava prevista na decisão do Copom
Autor: Guimarães Luiz Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 13/06/2008, Finanças, p. C2

A repetição dos termos da ata flexível e equilibrada do Copom feita por diretor do Banco Central (BC) em reuniões mantidas ontem em São Paulo com economistas de instituições desmancha a tese segundo a qual o documento foi redigido sem que o Comitê soubesse do novo repique dos índices mais recentes.

Os índices, no entender de bancos e consultorias, recomendariam uma dose maior de aperto monetário. A ata reforçaria a idéia de que o BC ficou tão surpreso quanto o mercado com os índices fortemente acima das expectativas divulgados na quarta-feira. E, por isso, os sinais emitidos por ela de que o gradualismo será mantido por meio do ritmo de alta da Selic de 0,50 ponto por reunião não devem ser levados muito a sério.

Essa interpretação esfacelou-se diante da tranqüilidade demonstrada pelo diretor de Política Econômica, Mário Mesquita. Principal redator da ata do Copom, o diretor repisou em sua apresentação destinada formalmente a abrir os trabalhos o pensamento nada alarmista externado pela ata, segundo relato de participantes.

Como sempre faz nas reuniões trimestrais com o mercado, destinadas a colher subsídios à elaboração do Relatório Trimestral de Inflação do BC, o anfitrião traçou o cenário básico da autoridade, primeiro para a atividade econômica, depois para a inflação e, por último, para a conjuntura externa.

Em nenhum momento Mesquita exprimiu-se de maneira diferente do conteúdo da ata que redigiu, indício, de acordo com economistas presentes, de que estava ciente do repique recente do IPCA, do IPC FIPE e do IGP-M, quando escreveu o documento. O BC sustenta portanto o posicionamento de que a piora inflacionária já estava prevista e "precificada" na decisão do Copom. Por isso não requer uma dose suplementar de aperto.

Explícita e diretamente, Mesquita não respondeu a indagação feita por economista interessado em saber se a autoridade monetária surpreendeu-se com a deterioração da inflação corrente. Não precisava, dada a reiteração do tom brando da ata. Esta tem a preocupação de não amarrar as futuras decisões da autoridade, nem quanto à extensão do ajuste total nem quanto à sua intensidade.

Participantes da primeira das três reuniões realizadas ontem em São Paulo contaram que, como é tradicional nos encontros, como o BC quer mais ouvir a opinião do mercado do que externar a sua, Mesquita repassou a agenda de trabalho e quis saber se o cenário que o grupo desenhava para a inflação foi alterado depois dos dados mais recentes sobre preços, atividade e conjuntura externa.

A maior parte dos economistas avisou que estava revisando para cima suas expectativas de inflação. A conclusão foi de que, em contraste com a reunião anterior, de fevereiro, em que a posição majoritária indicava uma aceleração mas ainda não preocupante da inflação, agora os economistas mostraram-se mais apreensivos. Entre uma reunião e outra, constatou-se que a disparada das commodities agrícolas e do petróleo neutralizou os efeitos positivos da promoção brasileira a grau de investimento por duas agências de rating e os sinais de que a economia americana não entrará em recessão.

O que mais os economistas queriam ouvir de Mesquita, do presidente do BC, Henrique Meirelles, e do diretor de Política Monetária, Mario Torós, também presentes na reunião, eram manifestações sobre a possibilidade de o Copom acelerar a velocidade de alta da Selic para 0,75 ponto. Os representantes se limitaram, a esse respeito, a repetir o teor da ata da reunião realizada na semana passada. Muitos participantes do setor privado ficaram contrariados com a coincidência entre a divulgação da ata e a data das reuniões em São Paulo. Temiam um esvaziamento das reuniões e um debate mais frio. Normalmente, o BC tem a preocupação de montar os encontros com analistas em períodos anteriores à publicação da ata.

Mas saíram satisfeitos porque os representantes da autoridade mostram-se tranqüilos. Não poderia ser diferente, pois o BC, em conformidade com os princípios que regem o sistema de metas de inflação, não pode mesmo atear fogo às expectativas. O sistema de metas - do qual as reuniões com economistas, o Relatório de Inflação, o Boletim Focus, as reuniões e as atas do Copom são as peças fundamentais - está baseado na coordenação das expectativas inflacionárias. Freqüentemente, o BC faz isso exercendo a ortodoxia. Mas o conservadorismo não deve ser confundido com atividade incendiária.

Escaldado pela reação dos economistas nas primeiras reuniões, Mesquita quis abreviar as discussões na terceira e última do dia, realizada em São Paulo: avaliações sobre os recentes índices de inflação e o comportamento da economia só seriam conhecidas no próximo relatório de inflação, a ser divulgado no final do mês. Segundo um participante da reunião, Mesquita disse que não faria comentários para não ser "açodado".

Foi comentado o acerto do Copom ao iniciar o movimento de elevação dos juros em um momento em que os participantes do mercado não viam sinais preocupantes à vista. Os dados mais recentes de inflação mostram que o Copom agiu acertadamente. Houve consenso de que a desaceleração da economia e do crédito será lenta.

Essa foi a primeira vez que o BC divulgou comunicado à imprensa sobre o encontro. Especula-se que o banco tomou a medida, embora o evento continue fechado aos jornalistas, por conta de reportagens recentes sugerindo que o BC estaria passando informações privilegiadas nessas reuniões, que são rotineiras desde a implantação do regime de metas. Existe ainda a hipótese de que Meirelles queria um motivo público para justificar a saída rápida da reunião com a Fiesp, ontem em São Paulo.