Título: Tarifas sobem, mas prejuízos persistem
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 16/06/2008, Brasil, p. A6

As tarifas médias de 14 das 26 companhias estaduais de saneamento do país cresceram acima da inflação de 2004 a 2006, sem resultar em recuperação financeira das operadoras. Segundo levantamento do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), as tarifas médias - resultado da divisão da receita operacional líquida pelo volume faturado - dessas empresas subiram 28,4% nos três anos analisados, enquanto o IPCA foi de 17%. Como as despesas com o serviço tiveram forte alta no período (22,6% entre todas as estaduais), a arrecadação ainda não supera o custo de operação em 65% das companhias.

As conseqüências dessa recuperação tarifária foram diversas. Houve casos, como o da Casan, empresa de Santa Catarina, em que a alta de 33% da tarifa média significou o fim de prejuízos acumulados. Outras empresas, como a Caesb, do Distrito Federal, já com o orçamento em ordem, usaram o aumento de tarifa para alavancar investimentos. A maioria das companhias, porém, viu crescer a sua arrecadação sem conseguir tirar as contas no vermelho.

A Caern, companhia do Rio Grande do Norte, reajustou a conta de água e de esgoto em 25,8% de 2004 a 2006, mas o crescimento da arrecadação, de 35%, acabou sendo destinado para administrar dívidas. Mesmo conseguindo elevar sua tarifa média em 5,5% no período, os custos de operação continuam superiores à receita. Segundo o diretor-comercial e financeiro da estadual, Plinio Veras Lobo, nos últimos anos têm sido acumulados déficits da ordem de 10%.

Segundo Lobo, a tarifa de R$ 1,33 o metro cúbico está defasada frente a uma média nacional de R$ 1,92/ m3. A política de recuperação da tarifa, no entanto, tem que se subordinar à avaliação da agência estadual reguladora do setor. "A gente sempre calcula qual o aumento necessário, mas a agência permite um percentual menor", diz.

Na Casal, companhia de saneamento do Alagoas, também há uma política de recuperação da tarifa. A defasagem da despesa do serviço em relação à tarifa média é de 39%, mesmo com uma taxa de R$ 1,91/ m3, dentro da média nacional. Ao mesmo tempo que a arrecadação subiu 19% de 2004 a 2006, os custos cresceram 32,5%.

O reajuste acumulado de 2004 a 2006 pela Casal foi de 32,7%. No ano passado, o Estado autorizou mais um aumento, de 17,2%, como resultado de um estudo de realinhamento da tarifa. "Deve cobrir parte dos custos, mas ainda não paga nossa dívida", diz Álvaro Menezes, diretor-comercial da empresa. Ele admite, porém, que essa defasagem decorre também por falhas da empresa, e diz que estão atuando para melhorar a gestão. "Não é certo ficar jogando a necessidade de aumento de receita nos consumidores, é preciso tornar a empresa mais eficiente", diz ele.

Segundo Ernani Miranda, coordenador do Snis, há realmente casos em que o preço do serviço tem espaço para crescer, como no Acre, onde a tarifa média é de R$ 0,89/ m3, bem abaixo da média no país, enquanto a mais alta, do Rio Grande do Sul, é de R$ 2,54/ m3. "O problema é que sendo ineficiente, a empresa pode até elevar sua arrecadação, mas os custos crescem junto", diz ele.

A arrecadação de todas as operadoras estaduais de saneamento subiu 32,5% de 2004 a 2006, resultado que, além dos reajustes, sofreu influência da queda da inadimplência de 12,9% em 2004, para 9,7% em 2006. Essa retração, porém, ocorreu em apenas metade das empresas.

Um exemplo de busca de eficiência foi a estratégia da Casan (SC) de combater falhas de medição do consumo. A empresa recuperou as suas receitas em 10% impulsionada pela recuperação de 150 mil ligações que estavam com problemas no hidrômetro e por isso pagavam a tarifa mínima. Esse montante representa cerca de 23% do atendimento da Casan.

Além disso, a Casan reajustou sua tarifa em 28,9% de 2004 a 2006 e conseguiu manter seus custos. Assim, a empresa zerou no ano passado um prejuízo acumulado de R$ 162 milhões que vinha sendo administrado desde 2003. Em 2007, pela primeira vez desde a abertura do capital em 1997, a empresa teve lucro, de R$ 54 milhões.

"Não tivemos grandes saltos de atendimento, mas conseguimos reestruturar a empresa", diz Laudelino Bastos e Silva, diretor-financeiro da Casan. Para este ano, é esperada uma recuperação ainda maior da arrecadação. Em março passado, entrou em vigor um aumento de 7,23% da tarifa, e o governo do Estado autorizou a empresa a mudar a cobrança da taxa de esgoto de 80% para 100% da conta de água. Com isso, é esperado um impacto de 10% na receita. Os índices de atendimento hoje são de 100% de água e 13% de coleta de esgoto, todo tratado.

Amparar o aumento da tarifa na necessidade de investimento foi a política feita até agora pela Caesb, do Distrito Federal. O aumento de 43% das receitas da companhia entre 2004 e 2006 foi impulsionado pelo reajuste de 47%, 30 pontos percentuais acima do IPCA no período. Segundo o assessor de Planejamento da estadual, Acelino Santos, a intenção é manter a companhia auto-suficiente.

Para justificar a alta de preço do serviço, Santos exibe a evolução dos índices de atendimento. A cobertura de água passou de 85% das casas, em 2003, para 99,2% em 2006, e a coleta de esgoto subiu de 85% para 92,8%, com 100% de tratamento. Os resultados foram obtidos com o investimento de R$ 542 milhões, dos quais 64% com recursos próprios. "Os aumentos foram compensados em investimentos", diz Santos.

Essa realidade não é comum no setor. Grande parte das empresas estaduais depende de aportes do Estado para investir em expansão do atendimento. A Caern (RN), por exemplo, não consegue realizar um investimento de grande porte desde a época do Planasa, plano federal lançado para o setor, nos anos 70, que criou as companhias estaduais. Os R$ 400 milhões em financiamento que a empresa receberá do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) a partir deste ano serão assumidos pelo governo do Estado.

A percepção da equipe de pesquisa do Snis é de que os bons resultados no setor continuam sendo obtidos pelas empresa que já estavam bem estruturadas, como o caso da Sabesp, em São Paulo, e da Caesb, no Distrito Federal. A grande maioria das companhias, porém, não dá sinais de recuperação no curto prazo, e os problemas passam por ineficiência institucional, perdas no sistema e falta de capacidade de investimento.

Por conta disso, o Ministério das Cidades entende que o aporte financeiro do PAC para os projetos de expansão do atendimento não é suficiente, e desde 2007 tenta aprovar no conselho de gestão do PAC um apoio financeiro para aprimoramento de gestão das companhias. "Estamos construindo alternativas para dar apoio ao desenvolvimento institucional dessas empresas", diz Leodegar Tiscoski, secretário de saneamento do ministério. Segundo ele, entre as principais preocupações está a redução da perda de água, que hoje é de cerca de 50%. Não há, porém, uma valor fechado para esse pacote de apoio, nem previsão de aprovação pelo governo federal.