Título: Mabel pode rejeitar imposto por dentro
Autor: Izaguirre , Mônica
Fonte: Valor Econômico, 16/06/2008, Política, p. A7

As críticas de tributaristas e empresários à constitucionalização da atual forma de incidência das alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sensibilizaram o deputado Sandro Mabel (PR-GO), relator da comissão especial da reforma tributária na Câmara. Depois de se dizer favorável à proposta do governo, no início das discussões, ele admite que está revendo posição e que tende a rejeitar a constitucionalização da técnica conhecida como "tributação ou alíquota por dentro", pela qual o imposto compõe sua própria base de cálculo.

Hoje, o ICMS já incide sobre si mesmo. Na hora de aplicar a alíquota, as empresas são obrigadas a considerar o preço total da venda do produto, ou seja, o preço já com o imposto. A pedido dos governos estaduais, o texto original da reforma em debate, encaminhado em fevereiro deste ano pelo governo, propõe respaldar essa técnica no texto constitucional, tanto para novo ICMS, quanto para o futuro Imposto sobre Valor Adicionado Federal (IVA-F, que, pela proposta, substituiria as contribuições PIS, Cofins, Cide e salário-educação).

Tributar uma mercadoria ou serviço "por dentro" - em vez de "por fora" - faz diferença quanto à explicitação da carga representada pelo imposto. Quando um tributo incide sobre si mesmo, a alíquota não corresponde ao verdadeiro peso do imposto sobre o valor do bem ou serviço fornecido. Por exemplo, no caso do fornecimento de energia elétrica, a maioria dos Estados pratica oficialmente alíquota de 25%. Ou seja, sobre o total de cada fatura paga pelo consumidor, 25% são ICMS. Mas, em relação ao preço do serviço sem o próprio imposto, o ICMS é de 33,33%. Em outras palavras, numa conta de R$ 100, onde o ICMS leva R$ 25, em relação aos R$ 75 restantes o consumidor não paga 25%, e sim 33,33% de imposto estadual.

Se a alíquota fosse "por fora" - ou seja, sem incluir na base de incidência o próprio imposto - , para obter a mesma receita, os Estados teriam que explicitar que cobram do consumidor 33,33%, e não 25%, sobre a energia. Não importa qual seja a alíquota: quando a tributação é "por dentro", a carga efetiva do tributo é sempre superior ao que parece. Nos produtos tributados com alíquota de 18%, por exemplo, o peso do ICMS sobre a parte da base de cálculo sem o imposto representa 21,95%.

A aprovação da reforma sem o dispositivo que constitucionaliza a atual técnica de tributação, por si só, não impediria que o novo ICMS e o futuro IVA-F fizessem parte da respectiva base de cálculo. A rejeição de toda a reforma tampouco garantiria, por si só, mudança em relação ao atual ICMS. Ainda assim, tributaristas e líderes empresariais estão batendo forte na proposta de constitucionalização, para manter aberta uma porta para o questionamento, perante do Supremo Tribunal Federal, das legislações estaduais que prevêem essa forma de incidência. Se o texto da reforma for aprovado nesse ponto, ficaria muito difícil questionar a constitucionalidade da incidência de um imposto sobre ele mesmo, alerta o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), Gilberto Luiz do Amaral.

Ele lembra que, no passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) chegou a ser favorável à alíquota "por dentro", mas, segundo ele, em ações específicas, que não tratavam de constitucionalidade. O presidente do IBPT não se recorda de ter havido, ainda, questionamento disso no STF, corte que decide sobre a constitucionalidade das leis. No momento, diz, o que o STF julga é a incidência de um tributo sobre outro tributo, e não sobre ele mesmo. A ação diz respeito mais especificamente ao fato de as alíquotas das contribuições PIS e Cofins incidirem sobre uma base onde está embutido o ICMS, já que elas são cobradas sobre o faturamento das empresas, sem o abatimento do imposto estadual.

Se o STF for favorável à exclusão do ICMS da base de cálculo das duas contribuições, "estará aberto um espaço para se questionar também a alíquota por dentro", diz Amaral. Se não houvesse risco de o STF ver inconstitucionalidade na incidência de um imposto sobre ele mesmo, os Estados não estariam preocupados em buscar respaldo constitucional na reforma tributária, afirma.

Assim também pensa o presidente da Comissão de Direito Constitucional da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SP), Antônio Carlos Rodrigues do Amaral. Para ele, o que o governo está propondo é "a constitucionalização do retrocesso, da falta de transparência na tributação e de uma herança da ditadura". O representante da OAB explica que as legislações estaduais passaram a prever alíquota "por dentro" com base num Ato Complementar de 1967, do governo militar.

O economista Clóvis Panzarini, que foi Coordenador de Tributação do Estado de São Paulo durante todo a governo Mário Covas, não vê dificuldade operacional em se praticar alíquota por fora, portanto sem incluir na base de cálculo o próprio imposto. O presidente da Comissão Especial da Reforma Tributária, deputado Antônio Palocci (PT-SP), ex-ministro da Fazenda, concorda que, operacionalmente, não haveria empecilhos, nem em relação ao ICMS, nem em relação ao futuro IVA-F. O problema, alerta, é que para manter a mesma carga tributária, as alíquotas teriam que ser mais altas. Para Gilberto e Luiz Amaral, isso só prova que o problema é político e que os fiscos "querem esconder" o verdadeiro peso da tributação. Para ambos, se a sociedade tiver mais consciência desse peso, haverá mais pressão para redução de impostos, o que os governos não querem.