Título: Diferente, melhor, mas aquém do possível
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/02/2005, Política, p. A3

"Primeiramente nós faremos o possível, a seguir nós faremos o necessário e em seguida nós faremos o impossível". É difícil dizer quantas vezes o presidente Luiz Inácio Lula da Silva repetiu esta frase em seus discursos. A versão transcrita foi dita em outubro de 2003, no mesmo discurso em que o presidente afirmou que alguns antecessores dele haviam sido covardes por não fazerem as coisas que precisavam ser feitas. Ultrapassada a metade do seu mandato, a Fundação Perseu Abramo, órgão de estudos do PT, divulgou ontem uma reflexão sobre em qual estágio da frase o governo federal estaria agora. O título do artigo , que compara a gestão petista com a tucana, publicado no boletim eletrônico "Periscópio", já diz muito: "Diferente do que era, aquém do possível, melhor do que parece". O texto não é assinado, mas teve a sua edição coordenada pelo cientista político Juarez Guimarães, da UFMG. Começa dando cinco razões para o leitor constatar que a presidência de Lula não é o terceiro mandato de Fernando Henrique e que o supera em qualidade. Menciona a origem política diferente, a intimidade de Lula com os movimentos sociais, "a gestão de operadores estatais fortes na economia", como o BNDES, a política externa e "o reforço do caráter público e tendencialmente universalista das políticas sociais". Ressaltadas as vantagens do governo petista, o articulista começa a bater. Sem piedade. Lula não fez o necessário, sequer fez o possível. Mas não por falta de políticas claras na área social, ou deficiências na gestão da educação ou da saúde. O problema da primeira parte do mandato petista foi de outra natureza. "Se há transição, é preciso reconhecer que ela até agora tem sido parcial, limitada, contraditória e desigual", diz o texto, afirmando que na gestão macroeconômica " a continuidade do governo Lula em relação ao segundo mandato de FHC é visível e incontestável". Cotado para ganhar autonomia operacional, o Banco Central é definido como "ultraortodoxo e conservador". O artigo do "Periscópio" converge em muitos aspectos para as críticas que a chamada esquerda petista faz ao governo. É um retrato em que poucos outros integrantes, além do ministério da Fazenda e o Banco Central poderiam se encaixar na descrição das "forças que querem a manutenção e a reprodução ou ampliação das reformas neoliberais", conforme descreve o artigo ao se referir às diferentes correntes dentro da administração.

Governo é criticado em boletim petista

Há toda uma série de indicadores positivos da economia que a ala dominante do partido gosta de ressaltar e que até mesmo a oposição reconhece. Na página do PSDB na internet, por exemplo, há dois estudos que mostram que a relação dívida/PIB caiu em 15 dos 24 primeiros meses do governo Lula e que em novembro do ano passado estava em 51,11%, o menor nível desde junho de 2001. Mas, para o articulista, o ajuste fiscal promovido pelo governo, antes de qualquer impacto positivo toldou os avanços de Lula . Foi em razão desta condução da economia , segundo o texto, que o presidente estaria perdendo pontos nas bases tradicionais petistas. "Agindo aquém do possível, o governo cria uma tensão permanente com uma ampla rede de movimentos sociais", diz o artigo. O PSDB garante que aprende com a própria história. E segundo relato de um defensor da candidatura do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, à presidência, o prefeito da capital, José Serra já teria demonstrado este aprendizado nas reuniões internas dos tucanos. De acordo com este aliado do governador, que transita fora de Brasília, o prefeito assegurou que não irá se desincompatibilizar para concorrer a nada no próximo ano. Serra teria citado como exemplo do que não deve ser feito a trajetória de Pimenta da Veiga, o primeiro tucano a vencer uma eleição importante, ao ganhar a prefeitura de Belo Horizonte em 1988. Dois anos depois, Pimenta concorreu ao governo mineiro e ficou em terceiro lugar. Jamais voltou a disputar uma eleição majoritária. Nunca mais alguém no partido , vitorioso em uma eleição para a capital, se arriscou a fazer o mesmo. No grupo mais identificado com Serra no partido, as avaliações são divergentes. Candidato da seção paulista do PSDB à liderança da bancada na Câmara, o deputado Alberto Goldman aposta em um cenário em que o prefeito preferiria se manter como um condutor do processo. "Ele não será um grande eleitor, do ponto de vista popular, mas será um elemento fundamental na articulação. Na fotografia de hoje, Alckmin só não será candidato se não quiser, mas é cedo para avaliar o cenário como definitivo", sugere. Outros serristas se dizem pragmáticos. "Candidato de situação é escolhido pelos dirigentes. Candidato da oposição é escolhido pelas pesquisas. Quem estiver na frente até o final do ano, seja Serra, Fernando Henrique, Alckmin ou Tasso, será o candidato", afirmou um aliado do prefeito, para quem o desgaste de largar a prefeitura com apenas um ano e dois meses de administração se circunscreverá à capital paulista. Mesmo sendo um ponto negativo no maior colégio eleitoral do País, seria pouco para alterar o curso de uma eleição presidencial. Este aliado reconhece que a negativa do prefeito de uma possível candidatura existiu. Mas lembra que , há exatamente um ano, o atual prefeito garantia a todos que não concorreria à sucessão de Marta Suplicy.