Título: A bolsa de Brasília
Autor: Valent , Graziella
Fonte: Valor Econômico, 16/06/2008, EU & Investimentos, p. D1

Haroldo Lima pode não saber onde fica a Bolsa de Valores, como já alegou, mas não pode negar sua veia para formador de mercado. As ações da Petrobras. A petroleira estatal ultrapassou a Microsoft em valor de mercado com uma ajuda, ainda que involuntária, das declarações do diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP). Em 14 de abril, quando Lima alardeou num seminário a magnitude dos campos vizinhos aos de Tupi, a empresa se valorizou 5,6%, ou R$ 19 bilhões, na bolsa.

O volume de negociação passou de R$ 556 milhões no dia anterior para R$ 2,2 bilhões, o maior volume desde novembro de 2007, quando foi anunciado o campo de Tupi. O efeito das declarações também foi sentido nas bolsas de Londres e Madri, onde são negociadas ações da BG e Repsol, sócias da Petrobras no campo Carioca. Os papéis das empresas também dispararam.

Na quinta-feira da semana passada, uma espécie de reprise do filme ocorreu em Genebra, onde o Ministro do Trabalho, Carlos Lupi, antecipou o anúncio de mais uma descoberta de petróleo. As declarações de Lupi teriam precipitado a comunicação oficial, que a Petrobras acabou fazendo no início da noite de quinta. A companhia nega e informa que a notificação foi feita no prazo legal, que é de até 72 horas após a descoberta, como prevê o contrato de concessão.

Se alguns acionistas ficam contentes com os efeitos das tagarelices sobre os papéis, quem não deve estar gostando nada da bagunça é a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Não é a primeira vez que pessoas que fazem parte dos quadros do governo - ao qual, aliás, o órgão que fiscaliza o mercado também está subordinada - falam além da conta sobre companhias abertas. Saia-justa para a autarquia, cujo papel é fiscalizar e assegurar que as informações relevantes sejam prestadas de maneira uniforme e clara, por meio das empresas para os acionistas.

Isso porque as conseqüências das declarações são geralmente visíveis - como no caso das afirmações de Lima em relação à Petrobras. Por ser uma fonte qualificada, com acesso a informações privilegiadas, as afirmações do diretor da ANP (que primeiro atribuiu informações à Petrobras e depois negou tudo) tiveram impacto muito maior que as do ministro Lupi, cuja área de atuação não tem ligação alguma com a Petrobras.

Em novembro de 2007, quando o ministro das Comunicações, Hélio Costa, disse que a estrutura da Telebrás seria usada para novos investimentos do governo na área de transmissão de dados em alta velocidade, as ações renasceram das cinzas, lembrando os tempos em que eram o carro-chefe da bolsa. O volume cresceu e a alta passou de 500% em menos de uma semana.

Ao falar sobre temas diretamente relacionados e importantes para companhias controladas pelo Estado, mas que têm ações em bolsa, os representantes do governo esquecem de um detalhe. Ao se tornar aberta, a companhia ganha inúmeros sócios e deve prestar contas a eles. O papel da CVM é justamente garantir que essa relação transcorra da maneira prevista nas regras.

Quando os executivos de uma empresa aberta falam demais ou deixam de informar o que deveriam, a autarquia pode imediatamente enviar um comunicado para a empresa ou até disparar mecanismos de punição mais ágeis. Isso ocorreu recentemente, quando a CVM verificou indícios de vazamento de informações no caso das aquisições da Suzano e das empresas do grupo Ipiranga. A falta de informações suficientes também rendeu pedidos de esclarecimentos na época em que a Gol estava em vias de comprar a Varig.

Mas o que fazer quando pessoas de grande exposição, com cargos públicos que lhes conferem credibilidade, falam sobre assuntos que dizem respeito a uma companhia que tem inúmeros acionistas?

O advogado Marcello Klug Vieira, do escritório Neumann, Salusse, Marangoni, diz que o diretor da ANP tinha dever funcional e profissional de guardar segredo sobre a Petrobras. "A divulgação desse tipo de informação é um ilícito funcional, que pode gerar um processo disciplinar e, como conseqüência, até a exoneração do profissional." Também pode haver punição pela CVM, caso a autarquia identifique que a atitude foi proposital para beneficiar alguém.

O caso da Telebrás é pior, acredita o advogado, pois o ministro é um representante da União e, portanto, as declarações dele são responsabilidade do acionista controlador - o que é diferente do ocorrido com a Petrobras, em que o diretor da ANP não a representa, e sim a fiscaliza. "É possível que um investidor que se sinta prejudicado pelas declarações sobre a Telebrás mova uma ação judicial e atinja o governo do ponto de vista patrimonial", afirma.

A CVM tem informado que há investigações em curso nesses casos, assim como sempre ocorre quando há movimentos atípicos, como variação súbita ou aumento de volume, numa ação de qualquer companhia listada. No mesmo dia das declarações de Lima, da ANP, a autarquia enviou à estatal pedido de esclarecimento sobre as declarações. A Petrobras respondeu, mas pouco acrescentou de conclusivo - nem confirmou nem negou as afirmações da agência.

Mais recentemente, outro setor teve as movimentações de ações afetadas por decisões de ordem política que, aparentemente, vazaram. Um dia antes da declaração pública de interesse do Banco do Brasil pela Nossa Caixa, os papéis da instituição financeira do governo paulista tiveram recorde no volume de negociação (excluindo a estréia na bolsa), embora reduzida oscilação nas cotações. Por conta disso, a CVM decidiu averiguar de perto o que houve com os papéis.

Maria Helena Santana, presidente da CVM, diz que não pode fornecer informações sobre as investigações em curso. No entanto, garantiu que não encontrou maior dificuldade nesses casos. "O fato de envolver o poder público não trouxe obstáculo adicional algum."

O fato é que a cadeia de agentes numa companhia estatal é muito mais complexa do que nas empresas privadas, lembra Alexandre Di Miceli, coordenador executivo do Centro de Estudos em Governança Corporativa (CEG), da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi). "Muita gente acaba sabendo das coisas. O processo decisório é mais confuso." Por isso, ele argumenta que, assim como em qualquer outra empresa, é determinante para a transparência e a boa administração a diferenciação entre gestão, conselho e propriedade.

Maior conscientização dos agentes políticos da existência do mercado de capitais seria um bom começo, afirma Mario Engler Pinto Júnior, membro do conselho de administração da estatal paulista Sabesp e procurador do Estado de São Paulo. "O tratamento da informação para o mercado é absolutamente crítico e a forma de divulgação é fundamental", diz. "Mas a regulamentação vigente não é clara para apontar quais agentes políticos devem ou não divulgar essa ou aquela informação. Acho necessário haver discussão e uma definição clara sobre quem fala por essas empresas."

Entre gestores de recursos e investidores, as críticas ao controle estatal são mais contundentes. "Quanto maior a presença estatal numa companhia mais tendo a querer ficar distante do ativo", admite Emanuel Pereira da Silva, sócio da GAP Asset. "Mas no caso de Petrobras é impossível evitar, dado o potencial do negócio."

A falta de transparência e governança coloca em segundo plano os fundamentos da Petrobras, que são muito bons, afirma Luiz Francisco Rogé Ferreira, chefe de análise da consultoria financeira CMA "Os investidores têm aversão ao fato de ela ser estatal, e com total justificativa, já que sua gestão deixa a desejar." (Colaboraram Daniele Camba e Cláudia Schüffner, de São Paulo e do Rio)