Título: Para Itamaraty, fala só repete argumentos dos ricos
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 17/06/2008, Brasil, p. A4

As declarações do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, cobrando maiores concessões de países como o Brasil, Índia e China nas negociações de liberalização comercial na Organização Mundial do Comércio (OMC) foram recebidas no Itamaraty como a repetição dos argumentos insistentemente levantados pelos países ricos para justificar a própria resistência em abrir seus mercados agrícolas. Já no início do mês, confrontado com declarações semelhantes da negociadora americana, Susan Schwab, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim acusou os países ricos de tentar "vender caro um carro usado."

"A primeira coisa que pedimos é que reduzam significativamente os subsídios, e a segunda, que não cobrem muito por um carro usado", disse Celso Amorim, ao participar da reunião ministerial da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Ontem, um experiente diplomata lembrava as declarações de Amorim, para comentar o que classificou como "lero-lero" dos governos americano e europeus.

Schwab, como o comissário europeu para o Comércio, Peter Mandelson, têm reagido à reivindicação por redução de tarifas e subsídios agrícolas com o mesmo argumento brandido ontem pelo presidente Bush: novas concessões só serão possíveis se os países em desenvolvimento aceitarem reduzir substancialmente as tarifas que protegem seus mercados industriais da concorrência estrangeira.

O Brasil já indicou, em Genebra, estar disposto a fazer maiores concessões na discussão sobre redução de tarifas industriais, mas exige em contrapartida uma mudança que enfrenta forte resistência dos países desenvolvidos: regras especiais para uniões aduaneiras, como o Mercosul, que permitam aos sócios acomodar um maior número de produtos mais sensíveis à concorrência estrangeira.

As negociações na OMC prevêem que certas mercadorias podem receber tratamento excepcional, sem sofrer a mesma redução de tarifas das demais, mas estabelecem que essas mercadorias só terão tratamento especial se não representarem um volume muito grande de comércio. O Brasil, para acomodar as sensibilidades da Argentina (que concentra seus produtos "sensíveis" entre os de maior volume nas exportações) quer que o limite seja considerado por bloco econômico e não por cada país individualmente. Esse ponto levanta críticas dos países ricos.

Até recentemente, era a Índia o país mais criticado pelos governos dos países desenvolvidos, pela resistência em abrir mais os mercados de produtos industriais. Índia e Argentina chegaram a divulgar uma declaração conjunta para pressionar contra maior flexibilidade dos países em desenvolvimento nas negociações sobre produtos industriais.

Representantes dos principais países da OMC já tentam há uma semana, em Genebra, encontrar um texto de consenso para orientar os negociadores na discussão sobre percentuais e limites dos cortes de tarifas e subsídios. Nos últimos dias, porém, foram mais freqüentes declarações como as de Bush, apontando culpados por um possível fracasso da chamada Rodada Doha de negociações da OMC.