Título: Cade julga questões técnicas da compra da Varig
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 17/06/2008, Política, p. A7

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) terá duas grandes questões para resolver no julgamento da compra da Varig pela Gol - e nenhuma delas diz respeito ao suposto favorecimento da Casa Civil à Volo, que vendeu a companhia aérea para a família Constantino. A primeira questão é se o órgão antitruste pode determinar à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) que faça a realocação de "slots" (faixas de horários para pousos e decolagens) da Varig e da Gol no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. A segunda dúvida dos conselheiros é sobre o percentual de "slots" que deveria ser retirado da Varig para dar mais equilíbrio à concorrência.

O Cade não deverá entrar na discussão sobre a legalidade da transferência da Varig primeiro à VarigLog, por meio de investidores estrangeiros, e depois para a Gol. Ao órgão antitruste cabe analisar a operação apenas do ponto de vista da defesa da concorrência. Assim, os conselheiros deverão se focar na análise técnica, e não às discussões políticas.

No início do julgamento, em 21 de maio passado, o relator do processo, Luís Fernando Rigato Vasconcellos, sugeriu que a Anac faça a revisão dos mecanismos de concessão de "slots". Ele seguiu recomendação da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda que reconheceu que o mercado de aviação comercial precisa de medidas para atrair novos concorrentes. A Seae pediu o fim do limite máximo de 20% de investimento estrangeiro nas companhias nacionais e a revisão dos critérios de alocação de "slots" em Congonhas, o aeroporto mais disputado pelas companhias.

Em seguida, o conselheiro Luiz Carlos Delorme Prado afirmou que a realocação de "slots" da Varig para concorrentes seria uma forma eficiente de ampliar a competição. "Acho que a questão dos 'slots' em Congonhas seria facilmente resolvida em leilão", opinou Prado. Os conselheiros Paulo Furquim e Fernando Furlan também defenderam essa realocação. Eles só divergiram no percentual dos "slots" da Varig que seriam distribuídos a concorrentes. Furquim entendeu que deveriam ser realocados 5% dos "slots" da Varig e da Gol somados. Eles seriam devolvidos à Anac para nova distribuição entre as empresas do setor. Já Prado e Furlan votaram pela devolução de 10% dos "slots", mas apenas da Varig. Esses 10% da Varig equivalem a 2% do total de faixas de horário no aeroporto paulistano.

De acordo com a Seae, a TAM possui 42% dos "slots" em Congonhas, enquanto a Gol e a Varig dividem 47%. O que os conselheiros querem é retirar "slots" ociosos das companhias líderes, ou permitirem que elas possam sublocá-los para outras empresas.

Os conselheiros só não chegaram a definir um percentual porque o procurador da República junto ao Cade, José Elaeres, fez dura intervenção e defendeu a tese de que não seria possível retirar os "slots" da Varig e da Gol porque esse direito foi concedido às companhias pela Anac. "Invadir a competência da Anac é algo um tanto quanto delicado."

A decisão pode abrir um precedente importante de interferência do Cade nas regras das agências reguladoras. Os critérios para distribuição das faixas de horário para pousos e decolagens em aeroportos saturados foram alvo da primeira resolução da Anac, tão logo ela foi instalada, em 2006. Quando há "slots" livres em aeroportos como Congonhas, a agência faz um sorteio público dos espaços vagos. Distribui 80% deles às empresas que já atuam no aeroporto e 20% a novas entrantes, como forma de estimular a competição no setor.

Dado o impasse, Prado pediu vista do processo, alegando que gostaria de fazer ofícios à Anac. No entanto, o conselheiro acabou optando por não fazer nenhum ofício e apenas recolocou o caso em pauta. O julgamento estava marcado para amanhã, mas o Cade está sem quorum para votá-lo, devido às férias do conselheiro Ricardo Cueva. O órgão possui sete integrantes e são necessários cinco para votar os processos. O economista Enéas de Souza foi indicado por Lula, mas não assumiu a vaga e a presidente do Cade, Elizabeth Farina, está impedida de votar nesse processo porque seu marido advogou para a TAM. Com isso, a compra da Varig deverá ser decidida apenas em julho.

Os sucessivos atrasos causam apreensão na cúpula da Gol, que esperava o julgamento do Cade até dezembro do ano passado. O presidente da empresa, Constantino Oliveira Jr., afirmou recentemente que a compra da Varig já havia custado R$ 1 bilhão aos cofres da Gol. Esses gastos englobam os investimentos e o prejuízo operacional com que vem trabalhando a companhia. Para ele, o aval do órgão antitruste é crucial para dar mais dinamismo às operações, unificando a malha.

A BRA e a OceanAir apresentaram impugnações formais à operação, alegando que a compra da Varig daria poder excessivo de mercado à Gol. Segundo o advogado da Gol, Fernando Marques, o mercado aéreo é bastante competitivo e vive em promoções. "'Market share' (participação de mercado) não é 'market power' (poder de mercado)", alegou. (Colaborou Daniel Rittner)