Título: Na falta de eficiência, conta chega na forma da CSS
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Fonte: Valor Econômico, 17/06/2008, Opinião, p. A12

A carga tributária brasileira está em permanente ascensão desde 1995, quando a estabilização monetária do Plano Real sepultou o ganho inflacionário do poder público sobre o Orçamento. Em dezembro, o Congresso rejeitou a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que deixou de existir a partir do primeiro dia de janeiro deste ano. Mesmo assim, no primeiro trimestre do ano o governo obteve a arrecadação recorde de R$ 161,74 bilhões, R$ 18,66 bilhões a mais do que no mesmo período de 2007.

O cruzamento dessas duas informações, por si só, constitui um sólido argumento contra a tentativa da base aliada do governo de aprovar o projeto de lei que cria a Contribuição Social para a Saúde (CSS), uma reedição da CPMF com alíquota menor, de 0,1%. Se a esses dados for agregada a informação de que mais dinheiro para a Saúde não representa necessariamente mais gente atendida, e melhor atendida, então não há argumentos em favor da CSS que se mantenham de pé. E é a essa conclusão que chega o relatório "Desempenho hospitalar brasileiro", um estudo de cinco anos de pesquisadores do Banco Mundial (Bird) sobre o sistema de Saúde do país. Gerard La Fogia e Bernard Couttollonc, os responsáveis pelo relatório, demonstraram o elevado grau de ineficiência do sistema hospitalar brasileiro, público e privado: uma escala de zero a um, o Brasil tem 0,34 de eficiência ("Não adianta só ter mais recursos", "O Globo", 13/6).

O estudo constata que o Brasil não conseguiu fugir da lógica de manter os hospitais como centros nervosos do sistema de saúde, público e privado. O Brasil gastou R$ 196 bilhões em saúde em 2006, 67% desse total consumido com hospitais (a média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico é de 55%). Desse gasto com hospitais, 30% foram destinados a internações que não requeriam cuidados hospitalares.

A maioria dos 7.426 hospitais brasileiros é ineficiente em escala e produtividade. Apenas 56 deles têm selo de qualidade do Ministério da Saúde. A distribuição geográfica do sistema hospitalar tem uma clara clivagem regional: o rico Sudeste tem 43 dos hospitais com selo de qualidade, o Sul tem oito, o Centro-Oeste dois, e o Nordeste três. Os hospitais de médio e pequeno porte têm custo mais caro e puxam a avaliação brasileira para baixo - e 60% dos hospitais brasileiros têm menos de 50 leitos. O sistema também tem um baixo índice de leitos ocupados, 37%, mas Couttollonc ressalva que boa parte deles não tem condições de sê-lo, muitas vezes até por falta de médicos.

O dinheiro que a Saúde dispõe, independente de ter ou não os recursos de uma CSS, é sugado pela ineficiência. O simples fato de manter como centro do sistema a rede hospitalar demonstra que o Sistema Único de Saúde (SUS) falha na sua intenção de universalizar políticas preventivas, que são mais baratas e mais eficazes como instrumentos de saúde pública. Dependente do sistema hospitalar, o SUS sequer conseguiu resolver o problema da eficiência de gestão dessa rede. Sem resolver as suas ineficiências, não haverá dinheiro que permita melhorar a qualidade e ampliar o atendimento à população assistida pelo sistema público.

A propósito, no ano passado o governo anunciou o envio ao Congresso de um projeto de lei que cria a fundação estatal de direito privado, que permitiria aos hospitais públicos contratar servidores pela CLT e condicionar remuneração a metas quantitativas e qualitativas. Se aprovado, o projeto possibilitaria generalizar a experiência paulista de gerir hospitais por Organizações Sociais de Saúde (OSS), que o Banco Mundial concluiu ser um modelo de grande eficiência, tanto nos hospitais públicos como privados. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, não mostrou com o projeto o mesmo vigor com que hoje enfrenta a batalha para ressuscitar a CPMF sob a forma de CSS. Na falta de uma ferramenta gerencial que permitiria fazer mais com o dinheiro disponível, Temporão foi pelo caminho mais fácil, o de apresentar a conta da ineficiência ao contribuinte.