Título: A glocalização, o desafio das prefeituras
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 17/06/2008, Opinião, p. A12

A abertura comercial-financeira deslocou o centro de gravidade da política de crescimento do âmbito federal para o municipal. Como há uma convergência maior dos regimes macroeconômicos dos países (equilíbrio fiscal, câmbio flutuante, metas de inflação e regulamentação) que geram as condições necessárias para o desenvolvimento, é no município que está o grande desafio de fazer acontecer. É um fenômeno mundial. Enquanto algumas cidades sofrem os efeitos da globalização, outras usufruem de seus benefícios e crescem a taxas altas.

As estatísticas do IBGE ilustram o ponto para o Brasil, mostrando uma heterogeneidade no crescimento do PIB dos diversos municípios. Usando como fonte os números de 2005 (há uma defasagem de dois anos), a variância nos resultados é grande: na média, o PIB do Brasil cresceu 3,2%. Enquanto que no mesmo período alguns municípios, como Vitória e Campinas, mais que triplicaram essa taxa, outros, como Rio de Janeiro e Belo Horizonte, tiveram uma variação negativa. O crescimento não é um processo uniforme em todo o país. Há três conjuntos de fatores explicando a diferença na evolução do crescimento das cidades: 1) a forma de cálculo do PIB; 2) fatores exógenos; e 3) políticas econômicas dos municípios.

1) O cálculo do PIB é um processo estatístico que, através de um sistema de débitos e créditos, estima o valor agregado do município (de forma análoga à do país). Entretanto, em alguns casos, os números dão uma visão distorcida da realidade. Exemplificando: Barueri é sede fiscal de muitas empresas financeiras e de serviços em função de alíquotas de ISS mais baixas; com isso o valor de seu PIB é aumentado, mas é renda que pertence a empresas e pessoas residentes em outros municípios que é apenas contabilizada nessa cidade. Uma análise de outros indicadores, como número de automóveis, de agências bancárias etc. mostra de forma inequívoca que a renda por habitante de Barueri é consideravelmente inferior ao PIB per capita apontado pelo IBGE em razão da metodologia do cálculo. Com isso, sua percepção da geração de riqueza é magnificada e a de outros é reduzida.

2) Há também fatores exógenos que influenciam o desempenho de alguns municípios. A receita de impostos gerada pela bacia de petróleo explica boa parte do crescimento de Macaé (RJ), assim como o preço dos produtos agropecuários determinou a melhora recente na renda de Itapeva (SP). Um fator exógeno ao município - descoberta de jazidas, elevação do preço de sua produção etc. - provoca um impulso em seu desenvolvimento. A principal fonte de riqueza vem de um fator fora de controle (exógeno) e é absorvido, propagando-se a outros setores da comunidade local com maior ou menor eficácia, dependendo da habilidade de sua gestão.

3) O terceiro fator é uma condução municipal eficiente que, com ou sem a influência dos outros dois fatores, pode gerar resultados surpreendentes, em razão de ações pontuais. O governo local é o agente responsável por desenvolver e implantar a estratégia para o desenvolvimento da cidade, aproveitando as oportunidades de acordo com suas características. Com isso, faz acontecer, e o município se desenvolve.

-------------------------------------------------------------------------------- Abertura ao exterior impôs um novo padrão de gerenciamento das cidades, mais adaptado ao contexto de globalização --------------------------------------------------------------------------------

A política municipal de Campinas é um bom exemplo. Sua prefeitura focou em ações que induzissem o crescimento e melhorassem a qualidade de vida; destacam-se a orientação de investidores, incentivos fiscais específicos, incubadora de empresas, a elaboração de um guia de investimento, análises externas de gestão e de indicadores de desempenho, melhoria da qualidade do gasto público, um plano de infra-estrutura ambicioso e ações sociais. Com isso, obteve uma taxa de desenvolvimento superior à média do resto do país. A ação local teve um papel central.

Muita tinta é gasta na gestão macroeconômica, mas mais atenções deveriam se voltar para a gestão municipal. Em outubro deste ano, ocorrerão as eleições municipais. Além da questão circunstancial de quem serão os novos prefeitos, o pleito pode ser visto como uma forma de alavancar o crescimento do Brasil, favorecendo as melhores propostas de administração local. Deveria ser uma eleição mais técnica e menos carismática que as anteriores.

Uma avaliação objetiva da gestão municipal se impõe. Uma ferramenta importante para avaliar o desempenho das administrações municipais são as estatísticas do IBGE. É um trabalho reconhecido nacional e internacionalmente, mas há espaço para aprimoramentos. A demora em divulgar as informações dos municípios deve ser encurtada, o escopo de sua pesquisa pode ser ampliado e algumas distorções aclaradas. Com isso, poder-se-ia monitorar de forma mais técnica as gestões das prefeituras e comparar políticas locais. Situações parecidas nem sempre geram respostas semelhantes de prefeitos de diferentes cidades. Uma atenção maior à gestão micro redundará em escolhas melhores.

Com a abertura ao exterior, as condições locais são outras. Na política de gestão municipal, a palavra de ordem é pensar globalmente, mas atuar localmente. O termo "glocalização" combina as palavras "global" e "localização", é usado por algumas companhias para explicar suas estratégias e resume bem o desafio das administrações municipais num contexto de abertura externa e globalização. As transformações impõem um novo padrão de gerenciamento das cidades, o modelo anterior foi ultrapassado e novos paradigmas são necessários.

A atuação local é cada vez mais importante para crescer e melhorar a qualidade de vida e há uma diversidade maior e desafios mais complexos nas políticas municipais que nas nacionais. O Brasil está se transformando rapidamente. A abertura e a globalização têm impactos fortes e céleres no ambiente empresarial, na expansão dos mercados e da concorrência, na tecnologia, na demografia e nas formas de gerar valor que exigem uma adaptação na gestão local. Afinal, todas as atividades que geram valor num país estão nos municípios. E é lá que a guerra da globalização tem que ser ganha.

Roberto Luis Troster é da Fipe e da Integral Trust. E-mail: robertotroster@uol.com.br