Título: Contas externas se tornam uma pedra no sapato
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 17/06/2008, Investimentos, p. D2

Em meio a um cipoal de indicadores econômicos positivos, os últimos dados sobre o balanço de pagamentos aparecem como exceção e começam a preocupar a maioria dos analistas econômicos e o próprio governo. Dada a influência que as contas externas exercem sobre todos os setores da economia, tal apreensão procede.

Embora o balanço de pagamentos tenha apresentado superávit ao longo de 2008, sua composição mudou bastante em relação àquela apresentada no mesmo período de anos anteriores. Atualmente, o superávit do balanço de pagamentos depende dos resultados do balanço de capitais, uma vez que o balanço de transações correntes vem apresentando crescentes déficits. O resultado positivo das contas externas, portanto, depende cada vez mais do financiamento estrangeiro, que costuma mudar de humor com muita facilidade.

É verdade que boa parte dos recursos externos tem sido aplicada em ações e ativos físicos do setor produtivo, isto é, em investimentos diretos que contribuem com a ampliação da capacidade instalada no país. É verdade também que um país em desenvolvimento normalmente apresenta déficits em conta corrente, uma vez que o ritmo de crescimento de sua economia é superior àquele apresentado pelos países já desenvolvidos.

No entanto, quando cresce o volume de investimento direto estrangeiro, também cresce o envio de lucros, dividendos e outras remessas para o exterior. Isto contribui para aumentar o déficit na balança de serviços e rendas e, conseqüentemente, crescer o déficit no balanço de transações correntes, gerando, então, um círculo vicioso: mais déficit em conta corrente, mais necessidade de recursos externos para financiar este déficit, que acaba gerando, no fim, mais déficit em conta corrente. Um maior superávit na balança comercial poderia atenuar os déficits na conta de serviços e rendas. Porém, dificilmente um país em desenvolvimento pode contar com um excedente exportável muito elevado, uma vez que o mercado interno absorve boa parte da produção local. Além disso, para aumentar substancialmente o saldo comercial, é necessário corrigir os excessos de valorização cambial.

Para se evitar uma excessiva dependência do capital externo, é necessário estipular um limite aceitável para o déficit em conta corrente. Os especialistas em contas externas costumam afirmar que, para um país em desenvolvimento, um déficit de até 2% do Produto Interno Bruto (PIB) é aceitável. Mais do que isto é perigoso.

O déficit em conta corrente do Brasil ao longo de 2008 já chegou a US$ 14 bilhões ante um superávit de US$ 2 bilhões no mesmo período do ano passado. Uma variação de US$ 16 bilhões. Se seguir neste ritmo, o déficit em conta corrente deve chegar perto de 3% do PIB em 2008, número bastante preocupante, independente do comportamento do volume de investimento direto estrangeiro.

A conjugação de altos déficits em conta corrente com altos superávits na conta de capitais cria uma situação ruim para o país. Em um regime de câmbio flutuante como o nosso caso, os déficits em conta corrente levariam à desvalorização do real, com conseqüente incentivo ao aumento do superávit da balança comercial que, por sua vez, ajudaria a corrigir o próprio déficit em conta corrente. Mas, com superávit na conta de capital, o país continua a receber muitos dólares. Isso mantém o real apreciado, prejudicando nossa balança comercial e contribuindo para a manutenção do déficit em conta corrente.

As perguntas que todos fazem são: como sair desta armadilha? Como escapar dos efeitos negativos gerados por nossas virtudes e não por nossos defeitos? A percepção internacional da boa situação econômica do Brasil faz com que uma enxurrada de dólares migre para o país. Não há como dizer não a estes capitais. São em grande parte sadios, aplicados em investimentos necessários para o país.

No curto prazo, a única forma possível de atenuar a situação é aumentar as compras de reservas estrangeiras pelo Banco Central. As altas reservas em moeda estrangeira, entretanto, geram altos custos de oportunidade. No entanto, dado os estragos que a excessiva valorização do câmbio traz para a economia nacional, estes custos devem ser assumidos.

O aumento dos financiamentos para exportação também pode ajudar, mas seus efeitos não são imediatos. Entre o acesso a recursos e a entrega dos produtos vendidos ao exterior há um hiato de alguns meses.

Ao longo dos próximos meses, é necessário que o governo acompanhe com cuidado o comportamento das contas externas. Qualquer deslize nesta área pode custar caro para a economia brasileira.

Alcides Leite é professor de economia da Trevisan Escola de Negócios

E-mail alcides.leite@trevisan.edu.br

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