Título: Queda de ofertas de ações no Brasil é a maior entre Brics
Autor: Ragazzi, Ana Paula
Fonte: Valor Econômico, 17/06/2008, Investimento, p. D7

Julio Bittencourt/Valor Luiz Ribeiro, gestor da HSBC Investments, que vê o ambiente de ofertas no Brasil "mais dentro da normalidade"

A atividade de abertura de capital no Brasil foi a que mais sofreu conseqüências da crise de crédito americana, se comparada ao desempenho dessas operações nos Brics (sigla para Brasil, Rússia, Índia e China). A conclusão está em estudo realizado pela Ernst & Young, que analisou o desempenho desses mercados no primeiro trimestre de 2008.

No período, o Brasil teve só uma oferta inicial, a da Nutriplant, que levantou US$ 12 milhões, no mercado de acesso, o Bovespa Mais. Na China, houve 34 distribuições, com US$ 8,6 bilhões captados; na Índia, foram 16, que somaram US$ 4 bilhões. A Rússia também sofreu - lançou uma oferta, mas no valor de US$ 500 milhões.

"A pujança do crescimento das economias de China e Índia é o principal fator a explicar o interesse por essas ofertas", afirma Paulo Sergio Dortas, sócio da Ernst & Young. "Enquanto esses países crescem a taxas próximas de 10%, o Brasil evolui à metade desse percentual."

Quando destina seus recursos a um país emergente, o investidor aplica não apenas em uma empresa, mas também na perspectiva de crescimento da economia local. No momento de enxugamento de recursos e maior aversão ao risco, avalia Dortas, as perspectivas oferecidas por China e Índia eram mais atrativas. Além disso, os dois países também foram capazes de proporcionar maior liquidez, com colocações bilionárias. Entre as dez maiores ofertas iniciais dos três primeiros meses deste ano, três foram de companhias chinesas e duas de indianas.

Um outro ponto levantado por Dortas é o fato de, no Brasil, os estrangeiros terem concentrado fatia perto de 80% das operações.

"Na China, por exemplo, há restrições e os estrangeiros ficavam com no máximo 50%", diz. Logo o país também sofreu menos com a fuga de recursos global. No caso da Rússia, que também não repete as taxas de crescimento das economias asiáticas, a situação desacelerou porque, aparentemente, as companhias de maior porte já acessaram a bolsa e restaram apenas as menores que, assim como observado no Brasil, não encontram janela de mercado para lançar ações. Por aqui, as colocações bilionárias voltaram porque o país conquistou o grau de investimento, da Standard &Poor"s, em abril, e da Fitch, em maio.

"No Brasil, é difícil dizer qual o fôlego em número de companhias de grande porte para acessar o mercado", diz Luiz Ribeiro, gestor de renda variável dos fundos offshore do banco HSBC. Mas, avalia, a situação agora está "mais dentro da normalidade". "Com a euforia de 2007, vimos muitas empresas que chegaram ao Novo Mercado e não tinham porte. Agora, elas estão procurando caminhos mais adequados, que seriam para o seu estágio de desenvolvimento e preparação, como uma associação a um fundo de participações", diz. Dortas, da Ernst & Young, comenta que a abertura de capital é uma conseqüência. "É o resultado de diversas etapas que a empresa passou. E é essa fase de negócios que está muito fértil no Brasil hoje", diz.

As companhias domésticas de menor porte estão envolvidas nos segmentos de fusões e aquisições, ofertas privadas, de olho no Bovespa Mais e, até mesmo, observando duas dessas oportunidades ao mesmo tempo, o chamado "dual track".

Conforme apurou o Valor, o segmento de ofertas privadas está tão aquecido que já chamou a atenção da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A autarquia já estaria estudando colocar em audiência pública uma instrução sobre o tema. Hoje, essas operações não são divulgadas publicamente, seguem as regras americanas e são oferecidas apenas a investidores estrangeiros, diante da falta de regulação doméstica.

"Abrir duas frentes de negociação pode significar para as pequenas e médias poder maior de negociação", diz Dortas. "Elas podem conversar mais sobre preços com o fundo de participações, uma vez que se avaliarem o desconto proposto muito elevado, podem partir para uma oferta no Bovespa Mais e tentar um preço que considere melhor", afirma.

Luiz Eugênio Figueiredo, presidente da Associação Brasileira de Venture Capital (ABVCAP), avalia que também ocorre a situação contrária, em que a portas fechadas na bolsa podem facilitar a negociação do lado do fundos de participações.

Carlos Motta, sócio da Machado, Meyer, Sendacz e Opice, avalia que as negociações com os fundos e empresas podem ser mais rápidas, uma vez que os investidores tendem a querer aproveitar boas oportunidades antes que elas cheguem à bolsa.

Para ele, antes, as companhias não tinham necessidade de se lançar a essas novas alternativas, já que a liquidez era imensa. "Olhar duas opções ao mesmo tempo exige cuidados com segurança jurídica e confidencialidade. Por exemplo, se a empresa conversar com um fundo e optar por uma oferta pública, ele será impedido de entrar na operação, por deter informações privilegiadas".