Título: Inflação crescente alimenta crise política na Argentina
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/06/2008, Internacional, p. A11

A presidente Cristina Kirchner durante discurso em rede nacional de TV A crise política gerada em torno do aumento dos tributos às exportações na Argentina ofuscou - mas não escondeu - o problema mais grave do país hoje, que é a inflação. Enquanto o índice oficial de preços está acumulado em 9,1% em 12 meses até maio, a inflação calculada por economistas e analistas independentes oscila de 25% a 30% no mesmo período. A diferença é devida a uma intervenção do governo no Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec) no ano passado, que culminou neste mês com a mudança na metodologia de cálculo da inflação.

"Estamos no pior cenário porque este conflito [dos ruralistas] aumentou a insegurança econômica, diminuiu a confiança do consumidor e aumentou as expectativas de inflação", comentou ontem o economista Dante Sicca, sócio da consultoria Abeceb.com. Ao mesmo tempo, diz Sicca, os projetos de investimentos foram paralisados à espera de uma definição do cenário político, agravado por locaute agropecuário, greve de caminhoneiros e desabastecimento.

Uma pesquisa mensal realizada pelo Centro de Investigações em Finanças (CIF) da Universidade Torcuato di Tella comprova a piora na percepção dos preços pelos argentinos. Segundo o boletim divulgado pelo CIF ontem, os consumidores estimam em 34,7% a inflação média para os próximos doze meses a partir de junho. Este número é praticamente o dobro do resultado indicado na pesquisa de junho do ano passado, e 20 pontos acima dos 9,7% de inflação média projetada pelo mercado financeiro nas pesquisas semanais realizadas pelo Banco Central.

A pesquisa do CIF é realizada pela consultoria Poliarquia. Foram ouvidas 1.217 pessoas por telefone, em 40 localidades por todo país entre os dias 1º e 10 de junho.

O economista Guido Sandleris, diretor do CIF e responsável pela projeto, diz que, se hoje o governo decidisse flexibilizar sua posição e atender à reivindicação dos ruralistas de voltar atrás no aumento do imposto sobre as exportações de grãos, seria um gesto de enorme importância política, mas de pouca ajuda para solucionar o problema da inflação.

"Os recursos arrecadados com as retenções [o imposto de exportação] já estão comprometidos com programas sociais. Portanto, o impacto do ponto de vista da inflação é limitado". Sandleris acha que o descasamento entre a percepção da população sobre os preços e os índices oficiais empurra o país para uma "dinâmica inflacionária perigosa".

Todos os países estão enfrentando alta de preços, mas na Argentina este fenômeno tem um componente mais preocupante, que é a forma como o governo o enfrenta. Além de não reconhecer os índices reais percebidos pela população, o governo não reconhece o esgotamento de sua política econômica pró-cíclica, que consiste basicamente em injetar subsídios e gastos públicos para manter o consumo em alta por um lado e tenta conter a inflação através de mecanismos de controle de preços.

Este foi o modelo que ajudou a Argentina a sair da enorme crise de 2002, quando seu PIB caiu 10%. Depois de crescer a taxas de 8% a 9% ao ano nos últimos cinco anos, a economia do país agora está entrando em desaceleração que, prevê Sicca, vai se acentuar no ano que vem, com o PIB saindo dos atuais 7,5% (projeção para 2008) para algo entre 5% e 6%.