Título: Países sul-americanos "heterodoxos" sofrem com disparada de preços
Autor: Souza , Marcos de Moura
Fonte: Valor Econômico, 18/06/2008, Internacional, p. A11

A inflação voltou a assustar os latino-americanos. Do Brasil ao Equador, do México à Colômbia, quase todos vêm sendo pressionados pela disparada global dos preços de energia, minérios e alimentos. Os mais afetados, porém, são países que optaram por políticas econômicas consideradas heterodoxas, onde os bancos centrais não têm autonomia de fato e que tampouco adotam metas inflacionárias. Nesses casos, a escalada de preços começa a prejudicar o crescimento e gerar tensão social.

Venezuela e Argentina lideram o grupo. O primeiro, com inflação anual oficial acima dos 30%; o segundo com inflação estimada pelo mercado entre 25% e 30%. Bolívia e Equador vêm em seguida: com 16,9% e 9,3%. respectivamente.

"Esses países têm registrado ingressos importantes com a alta da commodities; no caso da Venezuela e Equador com o petróleo, e no caso da Argentina com os grãos. Ao mesmo tempo, têm adotado uma política fiscal relaxada e gastos públicos elevados, que estimulam a demanda agregada", diz Alberto Ramos, economista da Goldman Sachs para a América Latina.

Associado a esse retrospecto, estão medidas anti-inflacionárias controversas, como o controle e o tabelamento de preços, na Argentina e na Venezuela. E estão também as recentes medidas de ampliação da participação do Estado em vários setores da economia (Venezuela, Equador e Bolívia) ou medidas para fortalecer a iniciativa privada nacional frente ao capital estrangeiro (Argentina).

Para Ramos, quando vistos em conjunto, esses elementos dão aos quatro países um incômodo status de "ambientes não amistosos para a iniciativa privada, onde os investimentos estão caindo, o que agrava as pressões de demanda."

No longo prazo, a inflação alta costuma provocar uma cadeia de danos bem conhecidos: corrói o poder de compra da população, diminui a renda disponível para outros gastos que não os de primeira necessidade e força uma diminuição do ritmo de produção. E quando investidores estrangeiros, que poderiam renovar o fôlego da produção, se retraem (como no caso nos países líderes da inflação), o círculo vicioso se completa.

Na Venezuela, a produção industrial caiu 7,9% entre março de 2008 e março de 2007. No primeiro trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 4,8%, o menor ritmo dos últimos quatro anos. A desaceleração foi reflexo da recente política de elevação dos juros como receita contra a inflação mais acelerada da América Latina.

A economia argentina, segundo projeção do banco Barclays, fará um pouso forçado no próximo ano, crescendo meros 2% (PIB real, ajustado à inflação medida pelo mercado, não a oficial), ante 5,5% previstos para este ano. O ritmo da inflação tem acirrado um ambiente de insatisfação social nas cidades e enfraquecido o apoio à presidente Cristina Kirchner.

No Equador, a situação é parecida. "Estimava-se que a economia cresceria 2,7% este ano, mas no fim, deveremos crescer entre 1,6% e 1,7%", diz o economista Carlos Cordova, vice-presidente do Cedatos, o principal instituto de pesquisas econômicas do país. Em maio, a inflação anualizada ficou em 9,3%. E algumas estimativas já apontam para para uma inflação de 12% a 14% até o fim do ano. "Essencialmente, o país vive uma inflação por escassez, porque há muita importação de produtos básicos, como arroz e trigo, cujos preços estão em alta", diz Cordova.

Como nos demais países com alta inflação, o ritmo dos investimentos diretos no Equador também está recuando em razão de medidas que aumentam a participação do Estado na economia.

Na Bolívia do presidente Evo Morales - que estatizou parte do setor de hidrocarbonetos - a inflação ganhou impulso no ano passado por conta de fenômenos climáticos que afetaram a produção agrícola. Os efeitos sobre os preços prosseguiram este ano, segundo os críticos por conta de medidas insuficientes do governo.

Para Sandra de Freitas, encarregada de assuntos econômicos da Divisão de Desenvolvimento Econômico da Cepal, a inflação da região é acima de tudo resultado da alta global dos preços dos alimentos e combustível e não atinge somente países que estatizaram alguns setores. "Houve alguns casos pontuais de problemas de abastecimento, que puxaram mais a inflação", disse ela. "É difícil determinar até que ponto é uma questão de políticas ou apenas de economia."

De qualquer forma, a perspectiva dos quatro países é menos encorajadora do que outras economias da região, onde as pressões inflacionárias são em geral contidas com política fiscal mais independente e aperto nos gastos públicos, diz Alberto Ramos. "Não é uma questão de ideologia. É uma questão de números. Na Argentina há uma contração nos investimentos, ao contrário do que se vê no Brasil e no Chile, por exemplo".