Título: Ameaça inflacionária ronda a economia global
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/06/2008, Opinião, p. A12

As expectativas inflacionárias estão se deteriorando em todo o mundo. A rápida transição de uma ameaça de crise de crédito - provocada pelas extravagantes manobras dos bancos internacionais com as hipotecas americanas - para uma escalada inflacionária não chega a ser surpreendente. O aquecimento da economia global é puxado pelas economias emergentes, mais que pelas desenvolvidas, que apresentam modesto, e declinante, crescimento. Os EUA espelham esta situação em negativo - gigantescos déficits comerciais e público, que incharam uma bolha imobiliária criada em períodos de grande prosperidade e farto crédito.

Após sete anos de altas consecutivas, os preços das commodities levaram os índices de inflação a um ponto a partir do qual torna-se cada vez menos possível adotar uma política de acomodação. Petróleo, metais e alimentos com aumentos de mais de 100% no curto espaço de dois anos tornaram inevitável uma alta generalizada dos juros. Ela já começa a acontecer nos quatro cantos do globo, da China ao Brasil, e recoloca um dilema - que freqüentou as atas do Fed até quando a economia americana parecia ter entrado em queda livre - para o BC dos EUA. A pior coisa que poderia acontecer para um sistema bancário e atividades econômicas combalidas é uma alta dos juros. No entanto, ela pode ser inevitável a curto prazo.

As advertências de Ben Bernanke de que defende um dólar forte é uma tentativa verbal de obter, com o enorme prestígio do Fed, aquilo que apenas uma forte recuperação americana pode dar - o fortalecimento do dólar. Outra forma de obter o mesmo efeito é uma elevação dos juros, que as taxa dos títulos do Tesouro sinalizam, mas que traz consigo sérias contra-indicações no caso dos Estados Unidos.

Mais de dois terços do crescimento mundial hoje é obra da atividade das economias emergentes e nada deterá uma inflação com fortes componentes de demanda senão um desaquecimento, que pode ou não ser ordenado. China, Índia e Rússia têm problemas inflacionários graves, mas tomaram até agora medidas graduais para contê-los e elas não estão dando resultados. A China já elevou 17 vezes os depósitos compulsórios dos bancos e por mais de seis vezes a taxa de juros sem que a inflação, em torno de 8,5%, dê sinais de arrefecimento.

Os juros ainda são negativos em boa parte dos países em que a virulência inflacionária é mais pronunciada. E, desta vez, os próprios países desenvolvidos estão também com taxas reais negativas ou quase neutras, no melhor dos casos.

O estouro da crise do subprime mascarou os efeitos de um excesso de dinheiro global, encobrindo-o com a aparência de uma crise de liquidez. A operação de salvamento dos bancos globais, que estancou uma debacle financeira, ampliou ainda mais a liquidez, o que pode ter resolvido o problema dos bancos, mas deixou exatamente onde estavam as pressões inflacionárias subjacentes. São elas que agora emergem claramente, tendo como ponta de lança as matérias-primas básicas globais. O temor que ronda boa parte das economias hoje é o de que uma pressão que parecia localizada se estenda aos salários e aos demais preços, trazendo o risco do que na década de 70 ficou conhecido como estagflação. Pela dimensão dos danos potenciais percebe-se que o efeito da ação dos especuladores na dinâmica dos mercados é circunstancialmente desestabilizadora, embora secundária enquanto causa.

Um período muito longo de baixas taxas de juros criou uma pressão inflacionária que precisará agora ser debelada com uma fase concertada de aperto monetário. As tensões se acumularam a tal ponto que uma estratégia gradual pode ter deixado de ser eficaz, em boa parte dos casos. No Brasil, a situação é mais confortável, embora inspire preocupação. O país já convivia com as maiores taxas reais de juros do mundo, o que explica o fato de a inflação brasileira ser hoje menor do que a dos países emergentes, quando foi, durante muito tempo, maior. Por outro lado, a necessidade de elevação dos juros é menor para frear o nível de preços, já contaminado parcialmente por uma inflação "importada" que se apóia, para se propagar, em uma demanda robusta. Por ter começado a subir antes os juros, o BC brasileiro pode hoje se dar ao conforto do gradualismo, sem precisar levar a economia para uma quase recessão, como no passado.