Título: As juntas comerciais e as CNDs
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/06/2008, Legislação & Tributos, p. E2

As juntas comerciais de diferentes Estados brasileiros - especialmente a de São Paulo - vêm condicionando o arquivamento dos atos societários de incorporação de empresas à apresentação, pela sociedade incorporadora, de uma certidão negativa de débitos (CND) relativa às contribuições previdenciárias, com a finalidade específica de extinção de sociedade empresária. A mesma formalidade é prevista para as operações de extinção, transformação, fusão, cisão total ou parcial de empresas, redução do capital social e transferência do controle de quotas.

Essa exigência imposta pelos órgãos de registro empresarial não é exatamente nova, mas ultimamente vem atraindo maior atenção das empresas, executivos e profissionais envolvidos em operações societárias, dado o aquecimento da economia nacional nos últimos anos - a despeito da recente crise bancária americana - e o conseqüente crescimento do número de operações de reorganização de empresas e de mercados.

A chamada certidão com finalidade específica é disciplinada pela Instrução Normativa nº 3, de 14 de julho de 2005, do Ministério da Previdência Social e da Secretaria da Receita Previdenciária, conforme seu artigo 527, parágrafo único, cumulado com artigo 532, parágrafo III, alínea "b". A expedição da certidão, na maioria dos casos, pressupõe uma fiscalização prévia na empresa, sem que haja um prazo estipulado na referida norma para que o órgão previdenciário realize tal fiscalização.

No âmbito da Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp), a exigência da certidão com finalidade específica já foi inclusive sumulada através do Enunciado nº 21 doe órgão. No entanto, a exigência a um só tempo está maculada de irregularidades de natureza material e formal.

Do ponto de vista material, importa dizer que nenhuma das leis que estabelecem a obrigatoriedade de apresentação de certidão negativa para registro de operações societárias prevê a figura da certidão com finalidade específica. O exemplo mais flagrante pode ser encontrado na Lei nº 8.212 de 24 de julho de 1991, que disciplina a seguridade social no país, e cujo artigo 47, parágrafo I, alínea "d" trata especificamente da apresentação de certidão negativa para arquivamento de atos societários, porém sem mencionar a figura da certidão com finalidade específica.

Sob a ótica infralegal ocorre o mesmo, como se pode verificar da Instrução Normativa nº 88 e da Instrução Normativa nº 105, ambas expedidas pelo Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), que também não tratam de tal certidão específica.

No que se refere à Lei nº 8.934, de 18 de novembro de 1994, que dispõe sobre o registro público de empresas, sequer há previsão de apresentação de certidão negativa para o arquivamento de atos societários, tais como os acima especificados. Do ponto de vista formal, há uma flagrante violação de princípios constitucionais como os da legalidade e da hierarquia das leis, na medida em que uma norma infralegal, como uma instrução normativa, não pode alterar um regramento estabelecido por uma lei federal. E foi justamente o que ocorreu quando a Instrução Normativa nº 3, citada acima, criou uma exigência adicional não prevista na também citada Lei nº 8.212.

A título de curiosidade sobre o tema aqui tratado, vale citar o louvável esforço do procurador da Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro (Jucerj), Gustavo Tavares Borba, que se dispôs a formular, em março de 2007, uma consulta dirigida ao Departamento Nacional de Registro do Comércio, demonstrando a falta de amparo legal para a exigência da citada certidão com finalidade específica. A referida consulta culminou na expedição da Nota Técnica nº 042, de 2007, da Coordenadoria de Atos Jurídicos do DNRC, opinando, ainda que sem fundamento lógico ou embasamento legal, pela manutenção da exigência pelos órgãos de registro mercantil no país.

Portanto, a exigência indevida de uma certidão negativa de débitos com finalidade específica de baixa de uma empresa, no âmbito do arquivamento dos atos societários acima descritos, é uma medida que viola o direito líquido e certo das empresas que se encontram nessa situação, possibilitando às mesmas a via do mandado de segurança para garantir o referido arquivamento sem a necessidade de apresentação da citada certidão específica.

Por fim, vale esclarecer que a urgência na busca de uma medida judicial é invariavelmente necessária, uma vez que em casos como o de incorporação de uma empresa por outra, a sociedade incorporadora tem providências acessórias e prazos a cumprir a partir da aprovação, pelos respectivos sócios, dos atos societários da incorporação. O próprio arquivamento na junta comercial, dentro do prazo de 30 dias, é um exemplo de formalidade essencial, a teor do artigo 36 da Lei nº 8.934. Outra providência necessária é a baixa do CNPJ da sociedade incorporada - e o mesmo se aplica a operações de fusão e cisão - no prazo aproximado de 60 dias, conforme dispõe ao artigo 24, parágrafo 17, inciso II da Instrução Normativa nº 200 de 13 de setembro de 2002, da Secretaria da Receita Federal.

Rafael Federici é advogado e sócio do escritório Comparato, Nunes & Federici Advogados

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