Título: Prazo longo e dívida alta preocupam em veículos
Autor: Travaglin , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 18/06/2008, Finanças, p. C1

Quando a comerciante Simone dos Santos decidiu trocar de carro, procurou uma revendedora já pensando em parcelar o automóvel. Ela não teve muita dificuldade para comprar um Escort 1996 em 48 vezes. "Eu já tinha feito outras compras financiadas antes, mas agora foi bem mais fácil. Deixei o meu carro na concessionária e saí com outro no mesmo dia".

O caso ilustra como o mercado de crédito consegue hoje atender um universo bem maior da população brasileira e de forma muito mais rápida. "Escolhemos a quantidade de parcelas olhando o valor da prestação. Podia até ser mais longo, mas fizemos de uma forma que não ficasse apertado. Escolhemos até a data para começa a pagar (40 dias de carência)".

Nos últimos anos houve, de fato um crescimento tanto das vendas financiadas, que respondem por 75% do total dos usados, quanto do saldo financiado, que já se aproxima dos 80%, segundo dados da Associação dos Revendedores de Veículos Automotores no Estado de São Paulo (Assovesp).

A facilidade, no entanto, pode começar a diminuir. Os bancos já demonstram preocupação com o forte avanço dos empréstimos e muitas instituições passaram a limitar as parcelas e a elevar o valor da entrada. Existem basicamente dois alertas: os prazos dos empréstimos e o preço dos carros.

Segundo Paulo Isola, diretor do Bradesco, o que se percebe quando se aumenta o número de parcelas, num primeiro momento, é que os clientes estendem os prazos para adequar a parcela à renda. O segundo passo, que ocorre agora e já preocupa, é que o cliente começa a procurar bens de maior valor, elevando o comprometimento da renda por um longo período.

Esse tema ganha ainda mais relevância em um momento de aceleração das taxas de inflação. "Principalmente nas rendas mais baixas, 6% inflação, dependendo da cesta básica dessa pessoa, têm influência grande. Vai faltar um pouco de cobertura. Um endividamento de R$ 400 para uma família com renda de R$ 1.500 é um orçamento justo, que pode ser afetado pela alta de preços, como de alimentos", afirma Isola.

No Bradesco, a renda média mais baixa que toma financiamento de carros é de R$ 1,5 mil. Para motos, chega a R$ 800. A parcela média na financeira do banco, a Finasa, é de R$ 500 e são feitos empréstimos para usados em até 48 meses e para novos em 60 meses.

Além disso, a inadimplência, apesar de baixa, já começa a dar sinais de elevação. A taxa de atraso acima de 90 dias estava em 3,4%, segundo dados do Banco Central, em abril, maior patamar dos últimos vinte meses. As operações vencidas acima de 15 dias, atingiram 7,7% em março. "Pode-se se esperar aumento de inadimplência nessas linhas", afirma Renato Oliva, vice-presidente da Associação Brasileira de Bancos (ABBC). Os juros também subiram e variam de 20% ao ano até 70% ao ano.

O segundo ponto de alerta diz respeito à depreciação dos automóveis, disse Isola. A acelerada oferta de veículos zero causa a queda mais forte do preço logo após o bem ser retirado da concessionária. A depreciação no primeiro ano, que historicamente se situava entre 8% a 20%, já chega a 25% em algumas linhas. "Se financiamos com menos entrada e ocorre aumento de juros, possivelmente as curvas de preço e dívida se encontrarão. Se não tem uma amortização mais forte no primeiro ano por conta dos prazos mais longos ou taxas mais altas, a garantia, que é real, pode sofre um descompasso".

Paulo Casaes, diretor-executivo do Banco Mercantil do Brasil concorda que esse é um fator preocupante. "Caindo o preço do carro, é preciso exigir um percentual de entrada compatível com o valor de mercado". Ele diz ainda que os prazos máximos hoje são de 60 meses, mas com pouca demanda. "A maior procura é por linhas de até 48 meses. Há uma estabilidade, com perspectiva de redução".

O financiamento de veículos usados não preocupa o Banco Panamericano. "Afirmar que o financiamento de veículos pode ser o nosso subprime é invencionice de estrangeiros. Para começar não fazemos derivativos com essas operações", disse Wilson de Aro, diretor do Panamericano.

Para evitar problemas, o Panamericano financia em geral 70% do valor do veículo usado e limita o prazo a 48 meses. "Como o usado já é depreciado, financiamos um valor menor". Segundo o executivo, o mercado está aprendendo a dar crédito e olha também o financiado e não só a garantia.

Recentemente, houve uma mudança nesse mercado puxada pela grande oferta de carros zero. Nunca a relação entre a venda de novos e usados esteve tão baixa, afirma Sylvio de Barros, diretor do iCarros, portal de classificados criado pelo Banco Itaú. A média histórica sempre foi ao redor de 4, ou seja, para cada carro novo, eram vendidos 4 usados. Hoje, essa relação está em 2,7.

Em geral, o usado é um acesso ao novo, afirma Érico Ferreira, presidente da Acrefi. "A pessoa tem sonho do zero. Geralmente, compra o primeiro carro, revende e somente na quarta vez chega ao zero".

Mas já se pode esperar uma retomada do mercado de seminovos. George Assad Chahade, presidente da Assovesp, explica que o problema é a sedução de compra do carro zero que tem sido feita pela indústria. "O consumidor é induzido a participar de um mercado para o qual não está preparado economicamente. É preciso ter um mercado mais pé no chão, em que o cliente faz o processo em escala. Somente assim, o valor patrimonial sempre será maior do que a divida". (Colaborou Maria Christina Carvalho)