Título: Um salto de qualidade na pesquisa rural
Autor: Clayton Campanhola
Fonte: Valor Econômico, 02/02/2005, Opinião, p. A10

A Embrapa é uma organização estruturada, com instrumentos de gestão que a protegem de mudanças bruscas, que possam comprometer a continuidade de sua programação de pesquisa. É bom deixar claro que nenhum presidente ou diretor tem autonomia para privilegiar ou direcionar uma linha de projetos de pesquisa dentro da Embrapa. É muito pouco conhecido pela sociedade que a empresa possui um sistema de gestão bastante participativo. A programação de pesquisa da empresa é definida por meio de decisão colegiada, envolvendo especialistas externos e internos como avaliadores de todos os projetos apresentados. As avaliações de cada projeto de pesquisa são submetidas à aprovação dos Comitês Técnicos de Macroprogramas (que abrigam os projetos de pesquisa) e, posteriormente, ao Comitê Gestor de Programação, um colegiado formado por 13 pesquisadores de renomada experiência científica e credibilidade na instituição. Os principais critérios utilizados para avaliação são a qualidade técnico-científica, o mérito estratégico e o total de recursos solicitados em relação à relevância dos resultados que serão obtidos. Com isso, não basta apenas que o tema abordado no projeto esteja em acordo com os termos do edital de chamada de projetos, mas muitos outros quesitos de avaliação são levados em conta. Isso significa que não é possível retirar recursos de um segmento para direcioná-los a outro. A distribuição de recursos na Embrapa tem mantido um comportamento estável ao longo dos últimos anos, sem mudanças bruscas. A diferença é que, num governo em que as questões sociais são tratadas com prioridade, houve maior demanda de outros ministérios para transferência de tecnologias, da Embrapa e de suas instituições parceiras, aos agricultores familiares. Para tanto, colocamos em prática as tão faladas ações transversais entre diversos ministérios. Buscamos novos recursos nos ministérios da Ciência e Tecnologia, do Desenvolvimento Agrário, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, e da Integração Nacional, para atender esforços de pesquisa e de transferência tecnológica para a agricultura familiar, de forma a não prejudicar os recursos da pesquisa para as áreas tradicionais da empresa. Foram captados R$ 24 milhões em dois anos. E já estão compromissados pelo menos mais R$ 17 milhões para este ano. A direção da Embrapa na gestão 2003/2004 conseguiu avanços relevantes no orçamento. De 2003 para 2005, o orçamento para pesquisa e despesas fixas aumentou em 87%. Em 2005, pela primeira vez na história da Empresa, não haverá contingenciamento orçamentário, face à conquista incluída na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2005, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República. Várias ações estão em andamento e terão continuidade institucional, cabendo destaque para: consolidação do sistema de gestão; ampliação das redes de pesquisa, envolvendo as instituições estaduais; utilização de recursos negociados com outros ministérios para ações estratégicas do governo; registro de novas variedades transgênicas e convencionais; implantação da agenda de pesquisa para a Amazônia; revisão do sistema de avaliação de desempenho dos empregados; implantação do programa de educação corporativa; revisão do plano de cargos e salários; ampliação do programa de apoio à gestão dos centros de pesquisa; criação e fortalecimento de comitês assessores externos dos centros de pesquisa; instalação de escritório da Embrapa em Moçambique; criação de estrutura subsidiária à Embrapa para interação com a iniciativa privada; continuidade de cursos de formação em agricultura familiar, programa para disseminação de sistemas de produção de sementes comunitárias; e implantação de projeto institucional para "software livre".

Nenhum presidente ou diretor tem autonomia para privilegiar ou direcionar uma linha de projetos de pesquisa

Vale ressaltar ainda a aplicação dos recursos conseguidos para a reestruturação dos laboratórios, a implementação efetiva do Plano Diretor da Embrapa - 2004/2007 - e a revisão dos planos diretores dos 37 centros de pesquisa, e o cumprimento dos acordos internacionais de cooperação técnica estabelecidos com a China e a Índia. Estão, portanto, dadas as condições para que ocorra um grande salto de qualidade nas pesquisas para todos os segmentos da sociedade rural. A nova Embrapa deverá contemplar as demandas e interesses de todos os grupos de agricultores, bem como dos diferentes atores das cadeias produtivas. As diferenças são dadas pelas condições socioeconômicas de cada grupo, principalmente disponibilidade adequada de capital e terra, bem como pelas características ecológicas predominantes em cada situação. Cada vez mais, a pesquisa terá que se dar com a capilaridade necessária para atender todo esse conjunto de particularidades. Por isso, a era da oferta de pacotes tecnológicos prontos aos agricultores e pecuaristas tem seus dias contados. Somente um maior controle social e uma acentuada transparência institucional permitirá que os grupos de interesse dominantes cedam espaço para que a Embrapa se torne mais plural e trabalhe definitivamente para cumprir seu papel de empresa pública, qual seja, o de servir a todos os interessados, indistintamente. Nesse sentido, a Embrapa tem papel relevante na inclusão social de grupos de agricultores familiares e de assentados da reforma agrária que foram excluídos do processo de desenvolvimento. Ou seja, a Embrapa também deve dar a sua contribuição e encarar o desafio de reter o homem no campo, com qualidade de vida, renda e cidadania. Resta saber se continuará havendo espaço político para que o desenvolvimento da empresa se dê para todos, de modo estruturante e transparente, e que não fique apenas nas intenções, promessas e discursos evasivos.