Título: Comissão do Senado aprova mudança no pagamento dos precatórios
Autor: Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 19/06/2008, Política, p. A10

Em meio a muita polêmica e novas tentativas de adiamento, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou ontem a proposta de emenda constitucional (PEC) que cria regime especial de pagamento dos precatórios (débitos de União, Estados, Distrito Federal e municípios determinados por sentença judicial) vencidos e não pagos. A proposta vai a plenário, onde deve receber emendas de senadores propondo mudar o texto. Se isso ocorrer, a PEC retorna à CCJ, encarregada de examinar as emendas.

A PEC original foi elaborada em 2006 pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, e assinada pelo então líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL). Nesse período de tramitação, houve quatro audiências públicas e forte lobby contra a proposta, principalmente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Representantes de Estados e municípios negociaram o texto - especialmente os secretários de Fazenda de São Paulo, Mauro Ricardo Costa, Minas Gerais, Simão Cirineu Dias, e Rio de Janeiro, Joaquim Levy.

Para os entes federativos, a mudança na regra de pagamento representará alívio, já que hoje calcula-se haver um estoque impagável de precatórios de cerca de R$ 100 bilhões, que se acumulam com títulos apresentados a cada ano. Pelo artigo 100 da Constituição, Estados e municípios em débito estão sujeitos a seqüestro de seus recursos financeiros por determinação judicial. No caso dos Estados, há o risco de intervenção federal.

No entanto, para a OAB, a proposta legaliza o "calote oficial". Primeiro, por quebrar a ordem cronológica de apresentação dos precatórios - regra prevista hoje para quitação dos títulos. Segundo, por considerar baixos os percentuais das respectivas receitas correntes líquidas que, de acordo com a PEC, Estados (0,6% a 2%) e municípios (0,6% a 1,5%) terão de destinar para pagar essas dívidas.

"O calote ganhou uma batalha. Vamos continuar trabalhando no plenário", afirmou o presidente da OAB, Cézar Britto, que assistiu à reunião da comissão, acompanhado do presidente da Comissão de Defesa de Credores Públicos - Precatórios da OAB do Rio de Janeiro, Eduardo Gouvêa, entre outros representantes da entidade. Segundo Britto, pelas regras previstas na PEC, alguns Estados levarão 40 anos para pagar seus precatórios.

O caso do Espírito Santo é mais grave: levaria mais de 100 anos, de acordo com o presidente da OAB. Ele critica ainda a possibilidade criada na PEC de o ente federado promover leilão público para pagar precatório, por meio de deságio oferecido pelo credor. "Hoje há um pequeno percentual de precatórios no mercado paralelo, já vendidos pelo credor inicial pela desesperança de receber. O governo percebeu isso e está substituindo o explorador. Ele está criando o leilão para ele próprio explorar o cidadão", disse Britto.

A posição da OAB foi defendida na CCJ por alguns senadores, como Álvaro Dias (PSDB-PR), a PEC "atende aos interesses de Estados e municípios em prejuízo do cidadão credor". Para João Tenório (PSDB-AL), trata-se de um "confisco claro dos ativos dos contribuintes". Tenório diz que sua posição é motivo de "briga em casa", já que sua mulher, Fernanda Vilela, é secretária da Fazenda de Alagoas e defensora da PEC.

Diante das manifestações contrárias à PEC, o relator, Valdir Raupp (RO), líder do PMDB no Senado, fez um desabafo. "Está havendo terrorismo. Conheço alguns credores de precatórios que morreram sem receber, depois de ficar 30 na fila. A injustiça é não votar. Estamos atendendo a apelo dos Estados e municípios que não estão conseguindo pagar. E de repente vem esse terrorismo não sei de onde", afirmou.

A votação só aconteceu pela determinação do presidente da CCJ, Marco Maciel (PE), e insistência do petista Aloizio Mercadante (SP). "Não podemos protelar mais. Alguns entes públicos estão impedidos de pagar precatórios por causa da ordem estabelecida (ordem cronológica de apresentação, prevista no artigo 100 da Constituição)", disse Mercadante. Citou o caso do Estado de São Paulo onde, segundo ele, um precatório no valor de cerca de R$ 1,7 bilhões referente a desapropriação de terra impede que a fila de credores ande, por não ser pago.

Maciel reagiu às tentativas de adiamento da votação, inclusive de Marina Silva (PT-AC), que reassumiu o mandato recentemente ao deixar o Ministério do Meio Ambiente. "Não é matéria nova, fizemos várias audiências públicas e tivemos dois anos de discussão, período em que vossa excelência estava fora", respondeu o presidente da CCJ. A votação da PEC foi simbólica. Marina se absteve, como Epitácio Cafeteira (PTB-MA), Álvaro Dias (PSDB-PR) e Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE).