Título: Justiça federal manda Exército sair de morro do Rio
Autor: Grabois , Ana Paula
Fonte: Valor Econômico, 19/06/2008, Política, p. A10

A Justiça Federal determinou ontem a retirada do Exército do Morro da Providência, onde três jovens moradores morreram após serem entregues por 11 militares a uma facção rival de traficantes do Morro da Mineira. Na decisão, a juíza Regina Coeli Medeiros de Carvalho, da 18 Vara Federal do Rio de Janeiro, pediu a imediata substituição dos militares do Exército pela Força Nacional de Segurança.

Desde dezembro, os militares estavam atuando na segurança das obras do projeto Cimento Social, de autoria do senador Marcelo Crivella (PRB), pré-candidato a prefeito do Rio. A juíza determinou a permanência do pessoal técnico-militar que atua no projeto conduzido pelo Exército e recebeu recursos da União por meio de emenda parlamentar.

A ação foi proposta pela Defensoria Pública contra a União, sob o argumento de ser inconstitucional o exercício da segurança pública por parte do Exército. Segundo a juíza, a operação realizada pelo Exército no projeto Cimento Social teve como foco a manutenção da ordem e da segurança pública e não se restringiu à garantia das obras do projeto. Segundo a juíza, houve "aparente desatendimento das formalidades e requisitos" previstos em lei que trata da possibilidade de atuação das Forças Armadas em caráter de auxílio na execução de obras e serviços de engenharia e foi "observada a inabilidade e o despreparo do Exército no desenvolvimento de seu mister relativamente à garantia da Lei e da Ordem no Estado do Rio".

O governo federal está dividido quanto ao recurso à decisão. O Exército defende o recurso, que seria feito pela Procuradoria Regional da União no Rio, braço da AGU no Estado. O Ministério da Defesa ainda não foi intimado e não sabe se vai ou não recorrer. O Planalto acha, num primeiro momento, que não há necessidade de se complicar ainda mais a crise no morro fluminense. A Advocacia Geral da União adotou uma saída jurídica. Afirmou que se for acionada pela Defesa, ela recorrerá.

O único consenso no governo é a necessidade da apuração com rigor do assassinato dos três adolescentes. Antes da decisão da juíza, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o mais importante nesse momento é fazer justiça com a família. Lula vai ao Rio na segunda-feira, para participar de eventos com o governador Sergio Cabral e o ministro da Defesa, Nelson Jobim. Aproveitará para discutir a violência na Providência. "O Estado tem que fazer reparação para aquelas famílias e dar continuidade às obras que são para melhorar as condições de moradias das pessoas", reforçou o presidente.

Apesar de serem feitas com recursos do Ministério das Cidades, é o Exército o responsável pelas obras no Morro da Providência. Para o presidente, a decisão sobre a saída dos militares do local - o que, na prática, significaria a suspensão dos reparos das casas no morro - deve ser melhor analisada. "Se for necessário, sai. Mas isso vamos discutir com calma. Não é por causa de um erro gravíssimo que aconteceu, abominável, que a gente tem que tomar uma atitude precipitada".

O ministro das Cidades, Márcio Fortes, reforçou as palavras de Lula. Lembrou que as obras foram solicitadas pela comunidade. Fortes visitou o local no ano passado, acompanhado do vice-presidente José Alencar: "A comunidade quer a obra. Temos que aplicar a lei, queremos que se faça Justiça. Mas a decisão - sobre a retirada ou não das tropas do morro - é do Ministério da Defesa".

A parceria entre o Exército e o ministério não é uma exclusividade do Morro da Providência. Os dois já mantém parceria em ações de regularização fundiária, inclusive no Rio, na Pedra de Guaratiba, por exemplo. Em nota, o Centro de Comunicação do Exército declarou que "o Comando do Exército decidiu participar do empreendimento para revitalizar moradias naquela área, em razão das facilidades de apoio logístico a ser prestado aos meios ali empregados".

Ainda segundo o Exército, "a participação do pessoal militar limita-se a elementos de engenharia, tanto da área técnica como de construção, e outros para a execução de segurança dos locais de trabalho e de pessoal envolvido no empreendimento" o que, segundo os militares, acontece em áreas em que se faz necessária a segurança do canteiro de obras.