Título: Lula conduzirá recomposição petista com tradicionais aliados de esquerda
Autor: Costa , Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 19/06/2008, Política, p. A13

Depois de deixar escapar por entre os dedos o PMDB, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu pessoalmente a tarefa de recompor o PT com seus antigos aliados de esquerda PSB, PCdoB e PDT, hoje reunidos no "bloquinho". A aliança preferencial de Lula para as eleições municipais era o PMDB, mas o presidente perdeu a aposta sobretudo após a adesão do ex-governador Orestes Quércia à candidatura do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), à reeleição. Se não conseguirem se compor em relação às eleições municipais de 2008, PT e o "bloquinho" sinalizam que terão dificuldades também para se aliar em 2010, segundo a avaliação nos partidos.

Os presidentes dos quatro partidos reuniram-se na noite de terça-feira com Lula. O presidente do PT, Ricardo Berzoini, enunciou os entraves à aliança. Há obstáculos grandes, como a formalização do apoio do PSDB à chapa PSB-PT, em Belo Horizonte, e outros aparentemente menores, como a insistência de um petista em se lançar candidato contra o prefeito Serafim Fernandes (PSB), em Manaus (AM). Mas já na tarde de ontem os partidos especulavam que talvez o maior de todos os problemas, de fato, fosse a tentativa de fazer operações casadas entre as capitais.

Lula tentaria desatar o nó da seguinte maneira: o bloco retiraria a candidatura do deputado Aldo Rebelo (PCdoB) e apoiaria Marta Suplicy (PT), em São Paulo. Em contrapartida, o PT retiraria a candidatura de Alessandro Molon para apoiar Jandira Feghali (PCdoB), no Rio, além de retirar o veto à formalização do apoio do tucano Aécio Neves a Márcio Lacerda (PSB), em Belo Horizonte. Isso sem falar na questão da reeleição de Serafim, em Manaus.

Do lado do "bloquinho", o maior obstáculo talvez seja o deputado Aldo Rebelo, curiosamente pela mesma razão que leva Lula a pregar a união das legendas: se o bloco tem candidatos nas capitais dos principais colégios brasileiros - Rio, São Paulo e Belo Horizonte -, sinaliza não só que pode se compor também em 2010, como também que pode pensar em outra opção, nas eleições presidenciais, que não seja do PT. Ou seja, não haveria alinhamento automático na sucessão de Lula.

O Bloco de Esquerda, como foi oficializado, tem um candidato considerado competitivo - Ciro Gomes (PSB) -, e se estiver unido pode também transitar pela candidatura oposicionista que se revelar com chance de vitória: o governador paulista José Serra tem vários interlocutores na frente, como Miro Teixeira (RJ) e o próprio Aldo, assim como o próprio Aécio, que poderia até formar uma chapa com Ciro Gomes, na hipótese de superar Serra no PSDB na disputa pela indicação.

Aldo, à esta altura, não tem nada a perder, a não ser colocar em risco os interesses de correligionários que julgam melhor o PCdoB fechar logo uma aliança com Marta Suplicy. Os exemplos mais vistosos desses interesses são o Ministério dos Esportes, ocupado por Orlando Silva, e o diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Haroldo Lima. Os dois são ilustres filiados do PCdoB.

Numa conversa que teve com Aldo semana passada, Lula não chegou a pedir que ele deixasse a disputa, mas fez um apelo à unidade. O ex-ministro e ex-presidente da Câmara deixou ontem Brasília insistindo que é candidato, mas a aposta entre seus aliados próximos é que vai esticar a corda ao máximo, para melhor proveito do PCdoB e do "bloquinho", mas depois se rende à composição. Foi no PCdoB que começou a circular ontem à tarde que é difícil fazer "operação casada" para compor os interesses diversos envolvidos na eleição. A melhor opção seria cada município cuidar de seu próprio caso.

Isso permitiria, por exemplo, o PT manter Molon no Rio e Aldo apoiar Marta em São Paulo. Ou o contrário, muito embora Molon, um católico carismático num partido cujas origens remontam aos movimentos de base da Igreja Católica, tenha dificuldade para apoiar Jandira, que nas eleições de 2006 defendeu a legalização do aborto.

O problema é que mesmo que Molon e Jandira se juntem, a aliança não poderia contar com o apoio formal de Lula no primeiro turno, porque ele tem outro candidato na disputas: Marcelo Crivella (PRB). Uma solução difícil de engendrar, muito embora todos os políticos cariocas envolvidos na discussão identifiquem uma rara oportunidade de enviar um candidato para o segundo turno das eleições do Rio (no caso, Jandira, que nas pesquisas está atrás apenas de Crivella).

Lula ficou de anunciar o resultado de suas gestões na segunda-feira. Mas entre hoje e amanhã o PT pode indicar a solução, com a decisão a ser tomada em reunião - antecipada da próxima semana - da Comissão Executiva Nacional sobre a política de alianças do partido. Uma decisão que pode tirar o partido do isolamento ou agravar a situação.