Título: Cerco ao ditador
Autor: Sabadini, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 24/02/2011, Mundo, p. 52

Revolta no Oriente Médio Estados Unidos e União Europeia estudam sanções à Líbia. Militares se unem aos opositores e assumem o controle de uma província no leste do país

A escalada da violência contra manifestantes na Líbia está a poucos passos de colocar o coronel Muamar Kadafi novamente em rota de colisão com a comunidade internacional, que começa a estudar medidas punitivas. A União Europeia (UE) e os Estados Unidos analisam sanções que devem ser impostas em breve ao governo de Trípoli. Dentro da Líbia, dezenas de unidades militares se juntaram às manifestações contra Kadafi, e rebeldes assumiram o controle da província de Cyrenaica. Em resposta, o presidente reforçou o aparato de segurança nas ruas da capital, Trípoli. Segundo o governo italiano, nove dias de confrontos teriam deixado mais de mil mortos.

¿O derramamento de sangue e as ordens para atirar em civis são ultrajantes¿, disse no início da noite o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que horas antes havia discutido a crise com a secretária de Estado, Hillary Clinton. ¿Vamos refletir sobre todas as opções possíveis para tentar pôr um ponto final na violência¿ disse Hillary durante uma entrevista coletiva, ao lado do chanceler brasileiro, Antonio Patriota. ¿O uso da força contra civis desarmados é inadmissível¿, reitertou Patriota, que acenou com uma censura ao regime de Kadafi por parte do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

A possibilidade de um congelamento dos bens do governo líbio e de seu líder, além de um embargo de armas, foi levantada pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy. ¿Proponho a suspensão de relações econômicas, comerciais e financeiras com a Líbia até data indeterminada¿, afirmou. A pedido da chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Catherine Ashton, especialistas se reuniram ontem para analisar opções para um pacote de represálias.

O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, exigiu ações internacionais contra os ataques a civis na Líbia e pediu uma investigação internacional. ¿A situação é imprevisível e pode seguir por caminhos perigosos¿, afirmou Ban à imprensa, após reunir-se com assessores. O secretário-geral comentou a conversa que teve por telefone com Kadafi, na segunda-feira. ¿Após discussões longas e extensas, e depois de pedidos e apelos fortes, ele nada levou em consideração¿, lamentou.

Para Wendy Pearlman, professora de estudos sobre o Oriente Médio na Universidade de Northwestern, o enfraquecimento de Kadafi, com a deserção de diplomatas, membros do governo e militares, pode abrir oportunidade para negociações. ¿O regime espera que o povo permaneça leal à sua filosofia e continue seguindo suas ordens. É hora de a comunidade internacional impor medidas duras e mostrar que existem consequências para os atos de violência. Isso pode convencer outras pessoas a deixarem de apoiar o governo, até que Kadafi esteja completamente isolado e não consiga mais controlar o poder¿, disse a especialista ao Correio.

Kadafi reage O ditador líbio colocou seus partidários nas ruas da capital para manifestar-se a favor do governo, mas no leste do país a população continuou a rebelião, que ganhou a adesão de parte dos militares. Rebeldes tomaram o poder em uma província produtora de petróleo. ¿Cyrenaica não está mais sob controle do governo, e há confrontos e violência em todo o país¿, declarou o chanceler italiano, Franco Frattini, que pediu o fim imediato do ¿horrível banho de sangue¿. Ele também declarou que ¿ as estimativas são de cerca de mil mortos¿, apesar da falta de controle por parte do governo local.

Segundo a especialista americana, o uso da força e da possibilidade de uma guerra civil fazem parte da estratégia do governo para amedrontar a comunidade internacional e a população. ¿É a famosa tática do `eu ou caos¿. Kadafi aproveitou-se da situação de um país divido para se manter no poder. No entanto, isso não sustenta um ditadura corrupta e brutal. A pressão das grandes potências pode fazer diferença. Além disso, quanto mais cedo o regime acabar, tanto mais cedo os líbios poderão construir um novo sistema político¿, afirma Pearlman.

Kadafi ordenou atentado O ex-ministro da Justiça Mustafá Abdel Jalil, um dos altos funcionários que desertaram do regime líbio nos últimos dias, em protesto contra o massacre de civis, denunciou o ditador Muamar Kadafi como mentor do atentado de 1988 contra um avião da companhia americana PanAm. ¿Eu tenho provas de que Kadafi deu a ordem¿, disse o ex-ministro. O Boeing 747 viajava de Londres para Nova York Unidos quando explodiu sobre a cidade escocesa de Lockerbie, causando 270 mortes e provocando uma dura reação internacional que manteve o regime líbio sob duras sanções por mais de uma década.