Título: Cenário para a inflação não é tão maligno no Brasil
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 19/06/2008, Opinião, p. A18

Há boas chances de que o surto inflacionário que se espalha pela economia brasileira tenha vida curta e não cause estragos consideráveis ou prolongados ao ritmo de crescimento. Há a possibilidade de que o teto da meta de inflação, 6,5%, seja ultrapassado em 2008, mas isso já ocorreu em anos anteriores sem que a credibilidade do sistema ou de seu executor, o Banco Central, fosse abalada. Até agora, mesmo as mais pessimistas estimativas de desaceleração indicam que ela terá intensidade moderada. Nas piores projeções até agora, o Produto Interno Bruto ainda crescerá acima dos 3%, quando nas escaladas de inflação e juros anteriores a retração foi forte e o Brasil beirou o crescimento zero ou a recessão.

Há vários fatores que contribuem para que, apesar da maré montante inflacionária em todo o mundo, o país encare com alguma tranqüilidade essa fase. Nas duas crises anteriores, o câmbio, por exemplo, jogou um papel fundamental. Na primeira, que consumiu boa parte de 2003 e levou o BC de Lula a seu primeiro teste de confiança - ele elevou os juros logo no início da nova administração -, o real estava altamente desvalorizado como herança das expectativas negativas com a possibilidade da vitória de Lula. O dólar chegara a encostar nos R$ 4 um pouco antes, o que encareceu as importações e se infiltrou nos índices de inflação. Os IGPs foram para o espaço, levando junto os reajustes dos bens administrados a eles indexados.

Nocivo em 2003, o câmbio teve efeitos antiinflacionários determinantes na segunda onda de inflação do governo Lula, em 2004. Desta vez, a valorização cambial auxiliou a conter os preços internos, estimulou um aumento mais intenso das importações, que por seu lado se tornaram mais baratas e exerceram pressões baixistas sobre os preços domésticos. Enquanto no primeiro caso, em 2003, a taxa Selic foi alçada para o máximo de 26,5%, no segundo, ela atingiu 16,5%. Agora, é viável que venha a ser bem menor que isso. O raciocínio vale tanto para taxas nominais quanto para as reais. No fim das contas, sobra um juro real ainda escandaloso.

Na atual onda inflacionária, há margem muito menor de usar a taxa de câmbio para estabilizar preços. O déficit em conta corrente cresce e o superávit comercial encolhe, o que favorece a desvalorização do real. Mas a alta dos juros e a obtenção do grau de investimentos atraem fluxos de capitais de magnitude suficiente para fechar as contas. Dessa forma, a cotação do dólar não tem espaço para subir muito e nem para cair muito mais. Por isso, o aperto monetário não precisa ser tão forte como em 2003, mas será provavelmente mais demorado.

Por outro lado, a inflação está mais comportada que nas crises anteriores. É pouco crível a hipótese de que ela possa chegar a dois dígitos - uma possibilidade forte em 2003. Até agora, ela atingiu 5,8% em doze meses encerrados em maio e não ultrapassou sequer a margem de tolerância de dois pontos da meta.

Há mecanismos que são eficazes como contrapeso à tendência inflacionária e que agem automaticamente ao sinal de aperto da política monetária. O consumo está hoje bem mais dependente do crédito do que no passado - a oferta no governo Lula chegou a crescer 10 pontos percentuais, até atingir 33% do PIB atuais. Com o juro em ascensão, a seletividade dos bancos, movida pelo temor de inadimplência, e taxas maiores desestimularão em parte o desejo de assumir novos compromissos financeiros.

No mesmo sentido jogam as próprias forças da inflação. Nos últimos 12 meses, ela está quase se igualando aos reajustes médios de salários, o que retira parte da capacidade adicional de consumo. A outra parte fica por conta do aumento do nível de emprego, que tende a arrefecer se a economia desaquecer um pouco.

Vários analistas acreditam que o pior efeito da taxa de juros será sobre os investimentos. Mas é factível desarmar a armadilha da inflação sem que o desemprego cresça muito e a economia se retraia fortemente. A economia conta hoje com uma capacidade de oferta significativamente superior à que tinha nas freadas anteriores. Para conter uma demanda robusta, é possível calibrar um ajuste moderado dos juros e da velocidade de crescimento, sem demolir o ciclo de expansão.