Título: Fundamentalistas grafistas
Autor: Vieira ,Catherine ;Cotias,Adriana
Fonte: Valor Econômico, 19/06/2008, EU & Investimentos, p. D1

Nos fóruns da internet, eles têm legiões de adoradores. No mundo dos fundos de ações de longo prazo, são sumariamente desprezados. O fato é que, com a popularidade crescente do mercado de ações, os gráficos de análise técnica estão cada vez mais no centro das discussões. A eterna briga entre os adeptos dos gráficos e os fervorosos seguidores dos fundamentos das empresas provavelmente não terá fim, mas por trás dela está apenas uma diferença de objetivos. "O típico investidor que quer fazer ganhos no curto prazo e gira muito a carteira, geralmente usa a análise gráfica", diz o gestor e sócio da Argucia, Ricardo Magalhães. "Já quem foca mais horizonte de longo prazo e dá valor a dividendos, certamente vai valorizar a análise fundamentalista", completa o gestor, que se inclui nesse último grupo.

A discussão, porém, se acirra quando a questão é o método que dá mais lucros. "Não se ganha dinheiro de verdade comprando e vendendo, fazendo giro", costuma bradar o investidor Luiz Barsi Filho, fundamentalista de carteirinha e admirador de Warren Buffett, outra recorrente fonte de inspiração desse time. Barsi defende que o giro é bom para as bolsas e para as corretoras, mas para o investidor o interessante é se associar a boas empresas e manter a posição.

Essa é a filosofia de fundos pioneiros, como Dynamo e Investidor Profissional, bem como de inúmeros outros mais recentes, como o RB Fundamental, da Rio Bravo e a Argucia. "Os estudos costumam mostrar que é mais vantajoso investir no longo prazo, até porque o giro cria muito custo e mais risco", pondera Magalhães, da Argucia. Para Mario Fleck, gestor do RB Fundamental, os gráficos não mostram detalhes importantes das empresas, com as quais o fundo pretende manter relacionamento de longo prazo. "Olhamos cada empresa no detalhe, as perspectivas, como funcionam o conselho e as tomadas de decisões", diz Fleck.

Assim como os fundamentalistas são apegados a seus valores há anos, os grafistas são fiéis a seus métodos desde que começaram no mercado. Fausto de Arruda Botelho, da Enfoque Informações Financeiras é um dos precursores da análise técnica no Brasil. Para ele, o pregão pode ser qualificado como uma guerra, um campo em que batalhas diárias são travadas entre "comprados" (que apostam na alta) e "vendidos" (que apostam na baixa). Vence quem tiver maior poder de fogo, ou seja, a ponta que movimentar mais dinheiro. "O gráfico acaba considerando todos os fatores, desde os fundamentos, a psicologia das massas, até a ação do insider", diz.

Foi com lápis e papel milimetrado que Botelho começou a traçar as cotações dos primeiros contratos de café negociados no Brasil, em 1978. O seu instrumental evoluiu para nanquim e papel vegetal até chegar às modernas planilhas eletrônicas. O fato é que nunca mais parou.

Outro analista técnico que fez fama é Didi Aguiar, conhecido nas rodas do mercado como Didi Grafista. Engenheiro mecânico, ele freqüentou a Escola Naval no Rio de Janeiro na década de 70, mas nunca seguiu a carreira militar. De estagiário do extinto Banco Crefisul chegou a analista da tesouraria da instituição até vir para a corretora em São Paulo. Didi se gaba de ter identificado em 1986, ano do Plano Cruzado, o "crash" da bolsa que estava por vir. Vendeu tudo o que tinha e foi viver 3,5 anos em Maresias, no litoral paulista.

"O gráfico trabalha com funções estatísticas que mostram para onde o mercado vai, em razão da oferta e da demanda, e não para onde deveria ir, como quer a análise fundamentalista", resume o profissional, que hoje divide seu tempo como consultor da HSBC Corretora e apresentador de TV. Técnico ortodoxo, ele evita maiores contatos com o noticiário para não influenciar a sua análise. Cartoon Network, Boomerang, Animal Planet e National Geografic compõem a lista de canais que zapeia com seu controle remoto.

Discípulo de Didi Grafista, Fernando Góes, da Wintrade, home broker da Alpes Corretora, consegue combinar as duas escolas. Economista de formação, ele considera que a leitura dos balanços das companhias e as projeções de preços servem para escolher as melhores alternativas na bolsa, enquanto os gráficos apontam o momento mais adequado para comprar ou vender. "O problema é que, no curto prazo, não adianta um papel ter bom fundamento", diz.

Já o analista Jayme Ghitnick, que há décadas acompanha o mercado, acredita que os dois métodos têm méritos e é preciso aproveitar cada um para a finalidade correta. "O investimento tem de ser na empresa e não no papel, por isso a escolha da companhia deve ser pelos fundamentos", diz. Para ele, os gráficos podem ser aliados poderosos para comprar e vender em momentos bons. "O gráfico pode mostrar em que fase do ciclo estamos, com eles se pode vender um pouco quando é indicado e recomprar numa hora mais oportuna, o que aumenta os ganhos."

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