Título: Debate sobre restrição ao crédito ganhou força, mas divide BC e Fazenda
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 20/06/2008, Brasil, p. A3

O governo retomou as discussões sobre a adoção de medidas para a contenção do crédito bancário. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, é um dos que alimentam o debate da proposta, ao lado do economista Luiz Gongaza Belluzzo, que tem participado de reuniões no Palácio do Planalto sobre economia, inclusive na de ontem. A idéia é, de um lado, reduzir as pressões inflacionárias e, de outro, evitar uma maior sobrecarga da política monetária. O assunto, porém, é polêmico e é visto com restrições em setores do próprio governo, como o Banco Central.

As medidas em avaliação são de dois tipos: limite aos prazos de financiamento para pessoas físicas, sobretudo veículos, bens de consumo duráveis, crédito pessoal e cartão de crédito parcelado; e uma maior exigência de capital para fazer frente aos riscos das operações, dentro das regras da Basiléia 2, um acordo internacional que visa a fortalecer o sistema bancário mundial.

Não há, contudo, posição fechada sobre o tema. O debate é se medidas restritivas de crédito, em um momento em que os mercados de juros futuros já precificam uma forte alta da taxa Selic, não iriam jogar ainda mais para baixo a economia no segundo semestre, ainda mais quando a inflação de alimentos corrói a renda e a capacidade de consumo da faixa mais pobre da população.

Ontem, Mantega usou exatamente esses argumentos para negar que o governo esteja prestes a anunciar medidas de contenção fiscal ou do crédito. "Não há medida adicional de restrição de crédito, até porque acho que já vai haver uma retração no crédito", afirmou o ministro. "O mercado financeiro já está trabalhando com juros 3 a 4 pontos percentuais mais altos."

Mantega lembrou ainda que o compulsório criado pelo BC sobre captações de empresas de "leasing" está entrando em vigor progressivamente até o próximo ano e, aos poucos, terá efeito também para esfriar o crédito. O ministro ponderou, por outro lado, que a expansão do crédito bancário a pessoas jurídicas responde, em boa parte, ao deslocamento das captações internacionais e das ofertas públicas para o mercado bancário doméstico.

No BC, a visão é de que medidas de controle de crédito não são suficientes para conter a demanda e evitar o aperto monetário. O diagnóstico é que a demanda é puxada não apenas pelo crédito, mas também pelo aumento do emprego e da renda, além das transferências feitas pelo governo com Bolsa Família e benefícios previdenciários - em que pese o maior esforço fiscal anunciado pelo governo.

Isso não elimina, porém, a vigilância do BC sobre o avanço do crédito para evitar a criação de eventuais desequilíbrios. O entendimento é que a expansão do crédito acontece em base sólidas e que, embora os prazos tenham esticado em uma ou outra operação, na média eles são moderados. O BC vem atuando preventivamente em duas áreas: normas e fiscalização. Está sendo avaliado, dentro do cronograma de implantação da Basiléia 2, exigir mais capital dos bancos para alguns riscos hoje não cobertos.

A medida, embora com caráter meramente prudencial, teria como efeito secundário encarecer as operações de crédito. Fora do BC, defende-se que as medidas extrapolem o caráter prudencial, com objetivo principal de conter a demanda agregada. Uma das propostas é exigir mais capital sobre as captações no exterior para repasse em financiamentos de veículos. Bancos de montadoras, principalmente, estão usando essa fonte de recursos para conceder financiamentos a prazos mais longos.

A fiscalização do BC também está atuando de forma mais intensa nos bancos, exigindo casamento de prazos e de indexadores. Esse é um desdobramento de uma estratégia adotada já em fins de 2007 para evitar que, individualmente, bancos assumam riscos muito elevados. Em um primeiro momento, o presidente do BC, Henrique Meirelles, fez declarações públicas estimulando os bancos a, por iniciativa própria, reforçarem os seus controles de risco. Logo em seguida, os fiscais do BC intensificaram as ações de supervisão.

A autoridade monetária quer que bancos que mantêm empréstimos de longo prazo nas suas carteiras tenham também captações de longo prazo no passivo. O mesmo princípio tem sido perseguido para os indexadores: se o bancos concedem muitos empréstimos prefixados, devem ter passivos prefixados. De forma autônoma, o próprio mercado bancário, sobretudo as grandes instituições de varejo, procuraram eliminar esses desequilíbrios nos últimos meses, em virtude da perspectiva de aperto monetário pelo BC. Esse movimento puxou as taxas de captação, que atingiram o seu pico em maio. Mas recentemente, as taxas refluíram, ainda que não tenham voltado ao patamar anterior.

As discussões sobre restrições no crédito não são exatamente novas dentro do governo - elas foram lançadas em março pelo próprio ministro Mantega, para evitar a alta dos juros básicos. Naquela época, o BC sinaliza um aperto monetário, mas ainda não o havia colocado em prática. A proposta foi rejeitada pelo presidente Lula.

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