Título: Demanda se manteve forte no trimestre
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Fonte: Valor Econômico, 20/06/2008, Brasil, p. A4

A demanda doméstica cresceu 7,75% nos quatro trimestres até março, a expansão mais forte desde os 11,16% registrados em setembro de 1995, na mesma base de comparação. A expectativa dos analistas é de que o ritmo forte se manteve no segundo trimestre, talvez com alguma pequena desaceleração, que tende a se acentuar na segunda metade do ano e principalmente em 2009.

Nos próximos meses, o efeito defasado da alta dos juros, o impacto da inflação sobre a renda dos consumidores e o menor crescimento da economia global vão tirar um pouco do gás da demanda interna. Uma boa notícia é que já há sinais de acomodação na utilização de capacidade instalada na indústria, devido à maturação dos investimentos, que crescem há vários trimestres a taxas elevadas. Se mantida essa tendência, será um sinal importante de diminuição do descompasso entre oferta e demanda.

Calculado pelos economistas do Bradesco, o crescimento da demanda doméstica de 7,75% foi puxado pela alta de 14,95% do investimento e de 6,7% do consumo das famílias - os outros dois componentes são o consumo do governo e a variação de estoques. A combinação de juros em queda até setembro de 2006, emprego e renda em alta e oferta abundante de crédito explica o ritmo de expansão até o primeiro trimestre do ano.

Com a demanda crescendo quase 8%, num período em que o Produto Interno Bruto (PIB) avança 5,8%, a tendência é de que as contas externas piorem ou a inflação fique mais pressionada, dizem os analistas do Bradesco. É exatamente o que tem ocorrido. O resultado em conta corrente (as transações de bens, serviços e rendas do país com o exterior) em 12 meses se deteriorou, passando de um superávit de 1,22% do PIB em abril de 2007 para um déficit de 1,08% do PIB em abril deste ano. O câmbio valorizado e o menor crescimento da economia americana também influenciaram esse processo, diz o economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges.

No caso da inflação, uma medida que mostra o efeito da demanda é o núcleo do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) calculado pela exclusão de alimentos e preços administrados. No acumulado em 12 meses, passou de 2,8% de maio de 2007 para 4,7% em maio deste ano. A economista Thaís Marzola Zara, da Rosenberg & Associados, diz que a demanda aquecida abre espaço para as empresas repassarem para os preços aumentos de custos e para uma disseminação maior dos reajustes.

No segundo trimestre, o ritmo de crescimento da absorção doméstica ainda se mantém forte, segundo os economistas do Bradesco. Eles consideram até mesmo possível que a taxa em quatro trimestres supere os 7,75% acumulados até março. Já Borges acredita em alguma desaceleração, ainda que o ritmo permaneça firme.

Para ele, o resultado do comércio varejista em abril indicou uma perda de fôlego do consumo das famílias. De fevereiro a abril, o volume de vendas cresceu, com ajuste sazonal, a uma taxa anualizada de 6,5% em relação aos três meses anteriores, bem abaixo dos 13% do trimestre encerrado em janeiro, diz Borges. É algo muito influenciado pela desaceleração das vendas de supermercados. Segundo ele, a alta de alimentos reduz a renda disponível dos consumidores.

O ponto de vista dos analistas do Bradesco sobre o varejo é diferente. Eles afirmam que, se for levado em conta o desempenho do comércio varejista ampliado, que inclui veículos, motos, partes e peças e material de construção, ele continua pujante: no trimestre terminado em abril, o crescimento foi de 18,5% anuais, bem acima dos 7,5% dos três meses até janeiro.

A avaliação quanto à segunda metade do ano é mais consensual. A partir do terceiro trimestre, a demanda doméstica deve sofrer uma desaceleração mais perceptível. O impacto do aperto monetário iniciado em abril deve começar a se sentir, ainda que timidamente, pois mudanças nos juros levam alguns meses para afetar a atividade econômica. A corrosão da renda causada pela alta da inflação tende a frear um pouco o consumo. Thaís destaca que o crédito, ainda crescendo bastante, deve avançar a um ritmo um pouco menor.

Segundo analistas, o investimento também será afetado pelo processo de alta de juros, mas perderá fôlego especialmente em 2009. Neste ano, a produção e a importação de bens de capital e o desempenho da construção civil devem garantir uma expansão ainda na casa de dois dígitos.

As previsões de Borges apontam para uma trajetória de desaceleração da demanda doméstica ao longo do ano. De acordo com as suas estimativas - que divergem um pouco das do Bradesco por não incluir a variação de estoques -, a absorção interna cresceu 7,5% nos 12 meses até março, percentual que deve se manter no acumulado até junho, perdendo força no segundo semestre. No ano fechado, o crescimento ficaria em 6,2%, contribuindo para a redução do descompasso entre oferta e demanda.

Borges diz, aliás, que esse descompasso já vem diminuindo. Segundo ele, o nível de utilização de capacidade instalada (Nuci) da indústria exibe sinais de descompressão. Os números da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostram, desde novembro, uma estabilidade na casa de 83%, na série livre de influências sazonais - em abril, ficou em 83,1%. Esse número, porém, ainda está 2,3 pontos percentuais acima da média de 2003 e 2007, de 80,8%.

Borges avalia, porém, que a metodologia da CNI, por utilizar como pesos setoriais o contingente de mão-de-obra empregado em cada uma das atividades pesquisadas, gera distorções. O problema, segundo ele, é que "essa ponderação dá peso maior para os setores que são mais intensivos em mão-de-obra, os menos suscetíveis a gargalos de oferta no curto prazo, pois é mais fácil fazer ajustes na mão-de-obra do que no estoque de capital". Com o objetivo de driblar esse problema, Borges construiu uma medida do nível de utilização de capacidade agregado, usando os pesos dos setores no ativo imobilizado industrial, com base na Pesquisa Industrial Anual (PIA) de 2005 - a mais recente.

O indicador construído pela LCA mostra um Nuci mais elevado - 83,7% em abril -, o que se justifica pelo fato de que "setores como o de refino de petróleo e álcool e de metalurgia, que costumam trabalhar por questões técnicas e de lucratividade com ociosidade mais baixa, têm peso significativamente maior no estoque de capital industrial". Mas o relevante para a conjuntura, de acordo com Borges, é que esse Nuci está em queda desde dezembro, quando bateu em 84,2%. Além disso, o número calculado pela LCA está 1,1 ponto percentual acima da média registrada entre 2003 e 2007, bem menos que os 2,3 do Nuci da CNI. Para Borges, isso indica um quadro mais tranqüilo do ponto de vista do equilíbrio entre oferta e demanda.