Título: Custos crescem mais que receita e lucro
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 20/06/2008, Brasil, p. A5

No primeiro trimestre deste ano, os custos de produção de um conjunto de 223 companhias abertas cresceram 30,6%, percentual superior ao aumento da receita, que ficou em 21,8%, na comparação com igual período do ano passado. Essa elevação de custos superior ao ganho de faturamento levou a um crescimento menor do lucro (10,3%) em relação a outros períodos e trouxe um "problema" a ser resolvido no curto prazo: ou as companhias repassam os aumentos de custo aos seus preços para recompor receitas, ou terão lucros ainda menores nos próximos meses.

Na avaliação do grupo de conjuntura da Fundação do Desenvolvimento Administrativo do Estado de São Paulo (Fundap) as empresas estão tentando repassar o aumento de custos decorrente da alta das commodities internacionais (agrícolas e/ou metálicas) para os seus preços e é esse movimento que explica a alta recente da inflação no atacado, que agora começa a chegar ao consumidor. "Há uma dúvida se elas vão conseguir ou não, mas caso esse ajuste não seja feito, haverá efeitos na rentabilidade", resume Geraldo Biasotto, diretor-executivo da Fundap.

O grupo de conjuntura da Fundap reuniu 223 balanços de companhias abertas e os organizou por composições setoriais menos usuais para poder analisar melhor como as questões macroeconômicas interferiram no resultado das empresas e como este vai influenciar os indicadores de inflação, atividade e investimento no curto e médio prazo. E o estudo mostra que empresas que produzem bens comercializáveis (portanto, fortemente influenciados pelo câmbio, seja porque exportam, seja porque importam) sofreram um aumento maior de custos com menor ganho de receita e, em consequência, colheram um crescimento menor no lucro na comparação com empresas de serviços ou que produzem bens não comercializáveis.

Para o grupo de conjuntura da Fundap, a rentabilidade sobre a receita líquida é um bom indicador de margem de lucro e resume a maior ou menor capacidade das empresas em lidar com as pressões macroeconômicas ao longo do primeiro trimestre. No conjunto das 223 empresas, o indicador recuou de 11,6% no primeiro trimestre de 2007 para 10,5% no início de 2008. Para os setores de comercializáveis, a retração foi maior (de 12,9% para 10,2%, na mesma comparação), enquanto em serviços e em não comercializáveis essa relação melhorou, indicando aumento de margem de lucro.

No ano passado, a inflação de preços no atacado somou 7,89%, percentual que cresceu para 9,18% até março e acelerou ainda mais (para 12,14%) até maio. Para Biasotto, no primeiro trimestre, o repasse de custos para os preços industriais ainda foi contido, mas tende a se acelerar ao longo deste segundo trimestre (as recentes altas de inflação seriam um sinal de início deste comportamento). "As empresas demoraram a corrigir seus preços porque no início do ano ainda prevalecia uma avaliação de que a alta de custos, via aumento das commodities, podia ser temporária. Agora, está mais claro que esse aumento de custo não é transitório", avalia o economista.

Em 2004, a inflação avançou mais rapidamente. Em cinco meses, os preços no atacado subiram 7,4 pontos, considerando o momento em que a inflação começou a subir e a reação do Banco Central, que elevou a taxa de juros em setembro daquele ano. Ao consumidor, o ritmo de alta foi de dois pontos concentrado em três meses.

No atual ciclo de custo e inflação, os preços no atacado começaram a subir em julho de 2007, mas a trajetória foi muito mais suave - até a primeira alta de juros pelo BC, o Índice de Preços no Atacado (IPA, calculado pela Fundação Getúlio Vargas-FGV) subiu cinco pontos, mas diluídos em nove meses. "As dúvidas agora eram maiores, com perspectiva de recessão nos Estados Unidos", lembra Biasotto, acrescentado que isso indicava uma trajetória mais benigna de preços, que não se confirmou.