Título: Financiamento de longo prazo no Brasil
Autor: Coutinho, Luciano Galvão
Fonte: Valor Econômico, 20/06/2008, Opinião, p. A14

O Brasil atravessa o mais longo intenso ciclo de investimentos em quase três décadas. A Formação Bruta de Capital Fixo vem crescendo acima do PIB há três anos e alcançou, nos últimos 12 meses, uma taxa de crescimento em torno de 15%, quase três vezes maior que o crescimento do PIB.

Essa trajetória havia sido prevista por nós, do BNDES, desde o final de 2006. À época, os projetos em andamento no banco e as informações que dispúnhamos sobre o horizonte de investimento das empresas industriais e de infra-estrutura mostravam que uma grande onda de investimentos já estava em curso. Nova pesquisa realizada em 2007 confirmou nossas expectativas, indicando que a taxa média de crescimento do investimento para 2008 e 2011 seria elevada, em torno de 12% ao ano. Com isso, a taxa de investimento atingiria 21% do PIB em 2010, garantindo um processo de crescimento economicamente sustentável.

Hoje, há um certo consenso entre os economistas de que essas projeções são factíveis. Mas a sustentabilidade do ritmo desse processo no médio prazo permanece em aberto. Nesse contexto, aproveitando o 56º aniversário do BNDES, gostaríamos de levantar uma preocupação que, na prática, se confunde com a própria razão de ser da instituição: o desafio do financiamento de longo prazo no país.

Ao longo das últimas cinco décadas, o investimento na indústria e na infra-estrutura no Brasil foi financiado basicamente com os lucros retidos das empresas e com recursos públicos, particularmente os administrados pelo BNDES. Em alguns momentos da história, as captações externas e os lançamentos primários de ações em bolsa tiveram papel importante, mas sempre limitados aos ciclos de liquidez da economia nacional e da internacional.

A exemplo do passado, o processo de investimento em curso vem sendo primordialmente financiado com recursos próprios das empresas e pelo BNDES, com participação importante do mercado de capitais. Constatamos que as 130 maiores empresas abertas, que respondem por mais de 90% do mercado de ações da Bovespa, triplicaram seu autofinanciamento, passando de R$ 15 bilhões ao ano em 2002 para quase R$ 50 bilhões em 2007. Os desembolsos do BNDES no período cresceram de R$ 37 bilhões para R$ 65 bilhões.

Os mercados de ações têm também um papel cada vez mais expressivo. As emissões primárias de ações, que haviam sido de R$ 1 bilhão em 2002, chegaram a R$ 33,2 bilhões em 2007. Além disso, os investidores externos passaram a ter papel dominante, absorvendo 75% desses lançamentos no ano passado. Entretanto, os recursos captados nas bolsas vêm sendo direcionados para setores muito específicos. O setor imobiliário, a indústria de alimentos e as empresas de energia elétrica absorveram mais da metade de todas as captações ocorridas entre 2004 e 2007.

Investimento em curso é basicamente financiado com recursos próprios das empresas e pelo BNDES; ações ganham força

O mercado de debêntures mostrou menor vitalidade. Parte disso se deve ao fato de a maior parte dos lançamentos concentrar-se em operações de leasing associadas a bancos comerciais. Já o número de empresas não-financeiras emissoras foi muito limitado: desde 2000, não ultrapassa 36 por ano. A emissão de debêntures por parte de empresas não-financeiras manteve-se em nível baixo, crescendo de R$ 9,4 bilhões para R$ 13,4 bilhões entre 2004 e 2007. Os empréstimos externos superiores a dois anos também têm, até agora, tido uma contribuição pequena para o financiamento de longo prazo. No mesmo período, as captações realizadas pelas 130 maiores empresas não-financeiras passaram de R$ 5,9 bilhões para R$ 17,6 bilhões.

Assim, diante de um cenário de aceleração do investimento, torna-se relevante fortalecer os mecanismos domésticos de financiamento de longo prazo no Brasil. Para tanto, é fundamental valorizar e ampliar os mercados de renda fixa, particularmente de títulos privados. Nesse contexto, ações que promovam o mercado secundário desses papéis podem vir a ser muito importantes. No caso das bolsas, será bem-vinda a desconcentração setorial das emissões primárias, tornando o mercado acionário um amplo e mais relevante canal para a promoção do investimento produtivo. É importante também atrair mais investidores nacionais para a bolsa.

Os fundos de pensão e as seguradoras - investidores institucionais que, por excelência, têm como horizonte o longo prazo - são atores que podem auxiliar muito o preenchimento dessas lacunas. Na medida em que o Brasil caminha para manter uma trajetória de crescimento sustentada, a alta concomitante da massa real de salários deverá aumentar sensivelmente a captação de poupança privada pelo sistema de previdência complementar, viabilizando uma participação cada vez maior dessa fonte no financiamento de longo prazo doméstico.

Entretanto, é preciso ter claro que mudanças no mercado de capitais requerem tempo para dar resultado. Não existem medidas fáceis nem de rápida implementação. A indústria financeira do país assim mostra: temos boas instituições, ampla gama de produtos, forte taxa de crescimento no passado recente, mas tamanho relativo ainda insuficiente para os desafios do nosso desenvolvimento.

No médio prazo, o ritmo dos investimentos privados requer também o fortalecimento dos mecanismos públicos de financiamento e poupança. Depois de terem se recuperado das crises dos anos 90, o FAT e o FGTS acumularam grande volume de recursos líquidos que, nos últimos três anos, viabilizaram investimentos para indústria, infra-estrutura e habitação. Seu fortalecimento e continuidade são muito importantes. Em paralelo, é preciso diversificar fontes de recursos, ampliar prazos e dar maior liquidez aos mercados privados.

Muito falta a fazer: ampliar recursos, diminuir o custo de capital, desenvolver instrumentos financeiros adequados às necessidades dos agentes econômicos e melhorar a governança e a transparência das instituições financeiras. Enfim, fortalecer a base do financiamento de longo prazo para ampliar a confiança e a disposição ao risco dos investidores alocarem recursos na formação de capital fixo no Brasil.

Sustentar o crescimento saudável do país demanda que o investimento cresça à frente do PIB. O uso inteligente das instituições e dos instrumentos públicos e privados de poupança nacional através da cooperação construtiva entre o sistema bancário, o mercado de capitais e o BNDES é o que o Brasil demanda. O BNDES, como sempre, está e sempre estará ao seu serviço.

Luciano Galvão Coutinho, João Carlos Ferraz e Ernani Torres Filho são, respectivamente, diretor de Planejamento e superintendente da Área de Pesquisa e Acompanhamento Econômico do BNDES.