Título: Operação de guerra na parada das centrais
Autor: Manechini , Guilherme
Fonte: Valor Econômico, 20/06/2008, Empresas, p. B8

Início de mais uma jornada de dez horas na unidade Olefinas I da Braskem, em Camaçari (BA). Há cerca de um mês, todos os dias, às sete horas da manhã, oito mil operários batem o ponto para mais um dia de trabalho na unidade. Desses, seis mil são temporários. Apressados, tomam o café da manhã e, em seguida, espalham-se pelos 655 mil metros de andaimes instalados na petroquímica, exclusivamente para a parada técnica de manutenção. O evento ocorre a cada seis anos. O próximo turno, com três mil pessoas, entra na fábrica às 17 horas e lá permanece até às 3 horas da manhã do dia seguinte. O objetivo: desmontar tudo, limpar, trocar o que for preciso e montar novamente. Só de tubulações são 40 mil linhas distintas a serem inspecionadas.

A mesma agitação foi repetida em Triunfo, onde fica a Copesul, que fez sua manutenção entre os meses de abril e maio. E a próxima será a PQU, em São Paulo, marcada para agosto. No total, os investimentos das três centrais superam R$ 2 bilhões e exigem mais de 20 mil trabalhadores e 100 empresas prestadoras de serviço.

A última paralisação deste porte em Camaçari ocorreu em 2001. Na atual, planejada nos dois últimos anos, estão sendo investidos R$ 334 milhões. A previsão da Braskem é de que a parada técnica seja finalizada até segunda-feira. Depois disto, só em 2014 ela será revisada.

Um dos maiores desafios da empreitada é a manutenção do Flare - equipamento com cerca de 80 metros de altura utilizado na queima de gases industriais. Para chegar ao topo, até alpinistas são contratados. Guindastes com capacidade entre 160 e 400 toneladas também são necessários. As torres de fracionamento exigem os mesmos esforços.

Com dez metros de diâmetro e diversas bandejas, uma das torres da Olefinas apresentou desgaste acima do previsto durante a inspeção. A Sulzer, fabricante das bandejas, foi chamada às pressas para produzir 24 unidades no prazo de uma semana no México. Os equipamentos foram trazidos de avião para não atrasar o cronograma da parada. O desgaste é inevitável, já que por essas torres e tubos a temperatura chega a mil graus Celsius.

A força-tarefa de revirar de cabeça para baixo a unidade é realizada por cem empresas prestadoras de serviços. A coordenação é de responsabilidade da Braskem e da Odebrecht, a última com 3 mil funcionários dedicados à operação. Mas é no dia-a-dia dos pequenos fornecedores que a manutenção da Olefinas I impacta mais.

Ao chegar ao Pólo Petroquímico de Camaçari, o taxista Nascimento logo pergunta: "Já agendou o táxi da volta?" Ele sabe que em época de parada técnica, normalmente, é assim: falta mão-de-obra, especializada ou não. Não que alguém reclame, pelo contrário. "Vale mais do que ganhar o 13º salário", diz Nascimento.

Érico Hardt, sócio da Monsertec, concorda com o taxista e comemora. Afinal, a parada técnica, em operação na unidade desde o último dia 23, deverá incrementar em 50% seu faturamento de 2008, passando-o de R$ 12 milhões para R$ 18 milhões. A empresa de Hardt é uma das três prestadoras de serviços responsáveis pelos andaimes instalados na Olefinas I, que somados atingiriam distância entre a capital paulista e Florianópolis.

Além dos 430 montadores de andaimes, trabalham no primeiro turno 2.126 caldeireiros, 289 soldadores, 233 eletricistas, 151 mecânicos, 148 isoladores, 126 pintores, 108 inspetores, 75 instrumentistas, 55 pedreiros e 29 funileiros. Mais 2.325 empregados com outras funções também fazem parte do efetivo.

A integração dos cerca de oito mil empregados temporários junto aos 3 mil funcionários efetivos da Braskem nos dois turnos diários é fundamental para que o cronograma estabelecido seja cumprido. Com este objetivo, entram em cena as equipes de controle, que avaliam o desempenho do dia anterior e definem as metas da nova jornada no intervalo das 3 às 7 da manhã. A rigidez no planejamento é fácil de ser explicada. Cada dia de atraso representa uma perda de produção estimada em 1,4 mil toneladas de eteno, ou US$ 5 milhões em margens líquidas à Braskem.

"Remuneramos bem, mas cobramos eficiência", diz Manoel Carnaúba Cortez, vice-presidente e diretor industrial da Braskem, ao informar que no caso dos prestadores de serviço as multas podem chegar a 30% do valor dos contratos. Para os funcionários, a dinâmica é outra. Diariamente são sorteados prêmios como DVD´s, TV´s e outros eletroeletrônicos, conforme critérios de produtividade e segurança. No entanto, nem sempre a culpa é do contratado. Até a última sexta-feira, a previsão era de que a parada técnica fosse alongada em mais dois ou três dias por conta das chuvas ocorridas no período.

As 43 mil toneladas de eteno que deixaram de ser produzidas, somadas às das paradas da Copesul e da PQU, representam mais de 1% da produção nacional do ano passado, cerca de 5,2 milhões de toneladas. De acordo com Carnaúba, no caso da Braskem o abastecimento do mercado interno está garantido. "Vamos deixar de exportar apenas para o mercado spot", informa.

O fato de as três principais centrais petroquímicas do país pararem no mesmo ano é uma coincidência, causada entre outros fatores por atrasos nos cronogramas de manutenção. O executivo da Braskem explica que a previsão inicial era parar a unidade de Camaçari no primeiro semestre do ano passado, assim como a PQU paralisaria sua unidade na segunda metade de 2007. Apenas a da Copesul estava marcada para o primeiro semestre de 2008 e foi finalizada no dia 8 de maio.

Tal "coincidência" fez com que as três centrais redobrassem o planejamento, ou fatalmente não haveria equipamentos disponível no mercado para atender duas delas ao mesmo tempo.

Outro temor, mais constante do que o de falta de maquinário, é em relação à disponibilidade de mão-de-obra. Segundo Antenor de Castro, gerente de operações da Odebrecht, a grande dificuldade é encontrar pessoal qualificado. "Temos tido dificuldade com recursos humanos nesta parada [Camaçari]". Para ele, funções como soldador e caldeireiro são gargalos para os prestadores de serviços.

Na unidade, o investimento em manutenção foi de R$ 124 milhões. Outros R$ 160 milhões foram aplicados na modernização de equipamentos. Alguns deles estavam na Olefinas I desde sua inauguração, em 1978. Já na Copesul e na PQU os gastos com manutenção e investimentos foram de R$ 334 milhões e R$ 1,5 bilhão, respectivamente.

A parada técnica da PQU será a mais longa das três, pois a petroquímica irá ampliar sua capacidade de produtos petroquímicos de 420 mil toneladas por ano para 1,5 milhão de toneladas. Assim como na Copesul e na Olefinas I, a previsão de uma nova parada na PQU é para 2014. Na Olefinas II a força-tarefa está marcada para 2010.