Título: Modelo elétrico encarece hidrovias, diz TCU
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 23/06/2008, Brasil, p. A6

Ao não planejar o tráfego de navios pelos rios nas licitações de usinas hidrelétricas, o governo está prejudicando um dos mecanismos mais eficazes de escoar a produção do país para a exportação e remetendo às gerações futuras custos bilionários para a construção das eclusas. A conclusão é do Tribunal de Contas da União (TCU), que determinou a realização de fiscalização no Programa de Manutenção de Hidrovias do governo e abriu um prazo de 90 dias para a Casa Civil da Presidência da República colocar em funcionamento o conselho de planejamento estratégico do setor.

Segundo o TCU, a construção de eclusas, que permitem a elevação dos navios de modo a superar as barragens das hidrelétricas, aumenta entre 5% a 7% os custos das usinas nos leilões. Por causa desse aumento, o governo Lula optou por não incluir as eclusas nos editais das hidrelétricas. Essa foi a forma encontrada pela Casa Civil para atrair o setor privado para a construção das usinas hidrelétricas, sem onerá-lo com obras de transporte.

O TCU, porém, verificou que levantar uma eclusa após a construção da hidrelétrica leva a um aumento de custos de mais de 30%. Ou seja, a economia que o governo Lula está obtendo hoje será paga por governos futuros que terão de arcar com custos muito maiores para a construção das mesmas eclusas.

No caso das hidrelétricas do rio Madeira, este aumento será de bilhões para os governos futuros. A usina de Jirau deve consumir R$ 8,7 bilhões e a de Santo Antonio, R$ 9,5 bilhões. São R$ 18,2 bilhões no total, segundo estimativas da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a estatal de planejamento do setor. Levantar as eclusas hoje elevaria esse valor em pelo menos R$ 1,3 bilhão (ou 7% do total). Seria, portanto, um custo adicional às empresas que já possuem uma série de problemas para participar dos leilões atuais. Para disputar o leilão de uma hidrelétrica é necessária a participação de empresas com conhecimento avançado em construção civil, no setor elétrico e, além disso, com capital suficiente para levantar o empreendimento.

Fazer as eclusas no futuro, contudo, levará a custos muito maiores. O aumento de 30% levaria, no caso de Jirau e Santo Antonio, a uma elevação de pelo menos R$ 450 milhões nos gastos. Será um custo que um futuro governo terá de assumir para permitir o transporte de navios nesses rios. Isso sem contar o prejuízo à exportação, já que os rios simplesmente não poderão ser utilizados para escoar a produção do país. E as novas usinas estão hoje concentradas na região Norte, onde poderiam servir para transportar a produção de grãos do Centro-Oeste do país, criando uma alternativa às estradas e ferrovias.

O TCU constatou que o transporte pelos rios é muito mais econômico do que o ferroviário, o rodoviário e o aéreo. Hoje, um navio médio pode transportar até 1,2 mil toneladas. Para levar essa mesma carga seriam necessários 40 vagões de trem. Se a opção for pelas rodovias brasileiras seriam necessários 60 caminhões.

O tribunal verificou que, apesar de ser mais econômico, o transporte hidroviário é pouco incentivado no Brasil. Os rios levam apenas 12% das cargas transportadas. Já as rodovias, conhecidas por problemas graves de manutenção e casos constantes de assaltos, respondem por 67% do transporte nacional. Segundo o TCU, caso o Brasil invertesse a prevalência do setor rodoviário, em favor do hidroviário, a economia seria de 57%. Essa conta representa o que as empresas conseguiriam poupar de combustível.

"O setor hidroviário poderá ser melhor explorado e, se utilizado racionalmente em conjunto com os outros modais, sem dúvida, contribuirá para a sensível redução dos custos de transporte a grandes distâncias e à integração da malha viária brasileira", afirmou o ministro Augusto Nardes, relator do processo no TCU, durante o julgamento em 4 de junho.

O Brasil possui 28 mil quilômetros de vias navegáveis e, de acordo com o TCU, pode aproveitar mais 15 mil caso realize obras que os tornem capazes de utilização. "Todavia, a participação das hidrovias na matriz de transportes brasileira tem sido pequena, não obstante o modal hidroviário exigir menos investimentos, ser economicamente viável e mais eficiente e prejudicar menos o meio ambiente", concluiu Nardes.

Outra falha grave apontada pelo tribunal: a Casa Civil simplesmente não criou o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte (Conit). Assim como o governo não criou o Conselho de Aviação Civil (Conac) e a ausência deste órgão de planejamento foi um dos problemas que levou ao "apagão" aéreo no ano passado, até hoje não existe qualquer sinalização para o funcionamento do Conit, órgão que deverá formular as políticas para o setor de transporte.

Em 2001, o Congresso aprovou a Lei nº 10.233 prevendo a criação deste conselho, mas a Casa Civil não se mobilizou para tanto. Até hoje o Conit não foi instituído de fato, o que, segundo o TCU, significa que não existe planejamento estratégico para o setor de transporte no país, crucial às exportações. Um das dificuldades é que, assim como o Conac, o Conit prevê a reunião de diversos ministros de Estado, como Transportes, Defesa, Justiça, Fazenda, Planejamento, Desenvolvimento e Cidades. O excesso de ministérios dificulta a realização de reuniões, mas não exime o governo de cumprir a lei e garantir que a política para o transporte nos rios seja, enfim, implementada.

Outro problema nos editais atuais de hidrelétricas está no descumprimento da Lei das Águas, de 1997, que prevê que as barragens devem assegurar as condições de navegabilidade dos rios.

O TCU fiscalizou um caso concreto de construção de hidrelétrica sem a previsão de navegabilidade pelo rio: a eclusa de Lajeado, que visa transpor a hidrelétrica Luiz Eduardo Magalhães, no rio Tocantins. A escolha do local para a construção da eclusa foi feita depois da elaboração do projeto da hidrelétrica. Esse fato elevou os custos da obra em exatos 14,11% - ou R$ 47,26 milhões. O receio do tribunal é que, em obras maiores, os custos aumentem em percentuais ainda mais elásticos.