Título: Após seis anos de superávit, indústria volta a ter déficit
Autor: Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 24/06/2008, Brasil, p. A4

A demanda interna aquecida e a valorização do câmbio provocaram uma reversão nos bons resultados das empresas brasileiras no comércio exterior. De janeiro a maio deste ano, a indústria de transformação registrou déficit comercial de US$ 3,5 bilhões - um desempenho muito fraco comparado com o superávit de US$ 6,2 bilhões dos primeiros cinco meses de 2007, conforme dados da Secretaria de Desenvolvimento da Produção (SDP) do Ministério do Desenvolvimento.

É a primeira vez que a indústria de transformação apura um resultado negativo em suas transações com o mundo desde 2001. Nos últimos seis anos, o setor industrial obteve sucessivos superávits comerciais, que atingiram o recorde de US$ 23 bilhões em 2005. No ano passado, esse resultado já havia minguado para menos da metade: US$ 10,3 bilhões.

Para o governo, é uma situação conjuntural, porque as empresas não conseguem atender ao mercado interno, o que eleva a importação. A indústria não concorda e reclama que perdeu competitividade por conta do valorização do real. Para os economistas, o problema é estrutural e a mudança na pauta exportadora do país nos últimos anos não foi tão profunda quanto se imaginava.

Segundo Welber Barral, secretário de Comércio Exterior, as importações robustas suprem uma parcela da demanda, já que a indústria nacional opera perto do limite da capacidade instalada. "Se não houvesse esse volume expressivo de importação, teríamos certamente inflação de demanda", disse Barral ao Valor. Segundo o ministério, o nível médio de utilização da capacidade da indústria ficou em 85% em abril, um ponto percentual acima de abril de 2007.

Ele citou material de transporte, que utilizou 93% da capacidade instalada em abril. "Não dá para falar em desindustrialização com um percentual desses", disse. Barral lembrou que mais da metade das exportações brasileiras hoje são de produtos manufaturados. "Essa é uma tendência que se consolidou", disse o secretário. Para ele, o país vive uma "nova fase", que é garantir o "desenvolvimento sustentável" da indústria, para que atenda os mercados interno e externo.

O diretor do departamento de comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Roberto Giannetti da Fonseca, admitiu que alguns setores, como siderurgia, elevaram as vendas internamente em detrimento da exportação, mas diz que "não dá para generalizar". Ele afirmou que o país está perdendo volume na exportação de manufaturados e que o espaço para elevar os preços e compensar o câmbio se esgotou. Além disso, a importação está substituindo produção nacional em alguns setores. "São os dois lados desse déficit", afirmou.

Na avaliação de Fernando Ribeiro, economista da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), a pauta de comércio exterior do país não se alterou muito nos últimos 10 a 15 anos e o superávit comercial segue concentrado em commodities. "Embora a indústria tenha uma boa fatia da exportação, as commodities garantem o superávit, porque também importamos bastante manufaturados".

Para Ribeiro, os superávits da indústria entre 2002 e 2007 é que estavam "fora do normal". Apesar do crescimento das exportações por conta da expansão da economia global, Ribeiro avaliou que os saldos só atingiram patamares tão altos porque as importações se contraíram. O especialista também descartou a hipótese de desindustrialização. "O fato de ter déficit não significa a destruição da indústria nacional", disse. "O problema é a magnitude que esse déficit pode alcançar e as possíveis dificuldades para financiá-lo no futuro".

Três setores provocaram os maiores rombos na balança da indústria: mecânica, material eletrônico e de comunicações e química. Nos dois últimos casos, o déficit superou os US$ 5 bilhões nos primeiros cinco meses do ano; no setor de mecânica, ficou em US$ 4,5 bilhões. As perdas foram parcialmente compensadas por setores ligados às commodities. Em produtos alimentares, metalúrgica e papel e celulose, os superávits atingiram US$ 5 bilhões, US$ 3,5 bilhões e US$ 1,8 bilhão, respectivamente.

Apesar de comercializados como commodities, alguns produtos são contabilizados como indústria, porque passam por um processo de transformação industrial. É o caso de açúcar em bruto, celulose, suco de laranja ou aço. Por isso, ao isolar os manufaturados, a performance da indústria é ainda pior. Nos 12 meses acumulados até maio, o déficit dos manufaturados chegou a US$ 18 bilhões, segundo dados da Secretária de Comércio Exterior (Secex) e da Funcex compilados pela Fiesp.

De acordo com esse cálculo, o país obteve superávits em produtos manufaturados entre 2004 e 2007. O recorde foi atingido em 2006, com US$ 7,2 bilhões. Em 2007, o superávit foi de menos da metade, US$ 3,25 bilhões. Em 1998, antes da desvalorização do real, o déficit nas transações de manufaturados com o exterior chegou a US$ 20,6 bilhões.

Os significados macroeconômicos desses resultados são polêmicos. Silvio Salles, coordenador de indústria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), descarta a hipótese de que as empresas estejam desviando a produção para o mercado interno. "As empresas tiveram muita dificuldade para conquistar o mercado externo", disse. Ele defendeu que a economia nacional está muito aquecida, o que favorece as importações.

Salles ressaltou que os dados de comércio exterior do início do ano foram comprometidos pela greve dos fiscais da Receita Federal. Ele disse que a tendência é de redução do saldo da indústria, mas ainda não é certeza que ele será negativo em 2007. Para o especialista, os setores são afetados de formas diferentes pelas importações. Ele citou veículos, cujas importações são apenas de carros de alto padrão, que não representam concorrência direta para a indústria local.

"Ficamos esperando que o câmbio fizesse o tão esperado ajuste na balança, mas ele acabou vindo e, rapidamente, pelo crescimento da demanda interna", disse Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. Ele acredita que o resultado da balança comercial é conseqüência do fato de o país não conseguir acompanhar o ritmo da demanda com produção local. Vale ponderou que um menor crescimento da economia brasileira em 2009 poderá ajudar um pouco, mas, por enquanto, a tendência é de piora no déficit de manufaturados.