Título: Lula quer que agenda privada incorpore direitos humanos
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 24/06/2008, Brasil, p. A5

Imagine se um grande banco contratasse pelos menos uma pessoa com deficiência para cada uma de suas agências? Ou se uma grande rede varejista instituísse uma política de contratação de negros em todas as suas lojas? As perguntas são feitas em tom de expectativa pelo ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, na véspera de um encontro, a ser realizado hoje, com mais de 60 presidentes de grandes companhias e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O objetivo é fazer com que discussões sobre mecanismos de promoção social sejam transformados em medidas concretas.

"Queremos que todas as empresas tenham os direitos humanos em sua agenda", afirmou Vannuchi. A tarefa é bastante difícil, afinal, a agenda central das empresas está focada na obtenção do lucro e as questões de direitos humanos recebem outro nome na pauta corporativa: responsabilidade social. "Infelizmente, a percepção popular do termo ainda não é a melhor", constatou o ministro dos Direitos Humanos.

Ele lamenta que ainda exista uma visão "malufista" do termo. Para explicar melhor o que quer dizer, recorda de um histórico debate entre o então governador de São Paulo Mario Covas e o candidato Paulo Maluf, em 1998. Na ocasião, Maluf pergunta a Covas por que ele defendia os "direitos humanos dos bandidos". Indignado, Covas responde que todos têm direitos, inclusive os criminosos, e devolve com outra questão: "Por que é que você insiste em ver as coisas desse jeito?"

Para fugir da polêmica, as empresas adotaram o termo "responsabilidade social", mas, segundo Vannuchi, elas se referem aos direitos humanos ao promover atividades nessa área. Um dos objetivos do ministro é "desbloquear a idéia de que direitos humanos é um assunto restrito a ONGs". Segundo ele, "é também um assunto de interesse das empresas, em que elas podem participar ativamente".

Hoje, no encontro em São Paulo, o objetivo vai além de mera correção de termos. A idéia é que as companhias possam corrigir distorções históricas. Como o fato de menos de 1% das presidências de grandes empresas serem ocupadas por mulheres; ou somente 10% das diretorias possuírem mulheres, percentual que vai a 30% na gerência; ou o trabalho escravo nas atividades rurais no Pará, onde apenas numa destilaria mais de mil trabalhadores foram autuados em condições subumanas para a prestação de serviços.

Ao todo, cinco grandes temas de direitos humanos serão discutidos hoje: acessibilidade e empregos de pessoas portadoras de deficiência; apoio a políticas voltadas para crianças, adolescentes e jovens; promoção da eqüidade de gênero; promoção da eqüidade racial; e erradicação do trabalho escravo. No futuro, outros temas deverão entrar na pauta, como os problemas envolvendo gays e lésbicas no mercado de trabalho. Mas, neste primeiro encontro, a opção foi restringir os temas a cinco para, no final, obter uma declaração dos empresários em apoio a atividades em prol dos direitos humanos.

A partir dessa declaração, as empresas irão olhar para o próprio umbigo e verificar como estão lidando com algumas questões: quantos negros possuem na repartição, quantas mulheres são chefes, ou se não seria viável um programa para contratar pessoas com deficiência.

No fim do encontro, as empresas vão assumir compromissos de curto, médio e longo prazo para melhorar os indicadores em cada um dos cinco temas. Nas mesas de debates, os presidentes do Banco Itaú, Roberto Setúbal, da Vale, Roger Agnelli, do Pão de Açúcar, Abílio Diniz, da Gerdau, Jorge Gerdau Johannpeter, da Votorantim, José Luciano Duarte Penido, do Wal-Mart, Hector Nuñes, e da Telefônica, Antônio Carlos Valente, entre outros. Na abertura, estarão presentes o presidente Lula e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Só foram admitidos os presidentes das empresas para o evento.