Título: Novas regras de capital podem ampliar o crédito
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Fonte: Valor Econômico, 24/06/2008, Finanças, p. C8

A entrada em vigor das novas regras de capital mínimo dos bancos no início de julho deve por lenha na fogueira da discussão sobre a necessidade de se segurar o crédito para conter a escalada da inflação.

Previstas no acordo elaborado pelo Banco para Compensações Internacionais (BIS) sediado na Basiléia, Suíça, e chamadas de Basiléia 2, as novas regras têm por objetivo melhorar a segurança global do sistema financeiro. Mas, ao alterar os requisitos de capital para as operações bancárias, terão impacto na oferta de crédito.

Segundo o Banco Central (BC), o Acordo de Basiléia 2 terá efeito neutro no capital dos bancos. Mas, para os consultores, isso é verdade para a média do sistema financeiro, quando o acordo estiver integralmente implantado, a partir de 2012. Em um primeiro momento, porém, os grandes bancos deverão ter sobra de dinheiro; e os médios e mais alavancados, poderão precisar de capital.

O consultor da Integral Trust, Roberto Troster, calculou em R$ 5 bilhões a sobra de capital com os 50 maiores bancos, que poderão alavancar o crédito. Troster levou em conta dados do Banco Central que informa que os 50 maiores bancos tinham um patrimônio líquido de R$ 193,129 bilhões em dezembro, quando o capital exigido era de R$ 124,056 bilhões. Com as novas regras de Basiléia 2, o capital exigido cai para R$ 118,747 bilhões. Ou seja, sobrariam R$ 5,308 bilhões, que poderiam alavancar cerca de R$ 45 bilhões em crédito.

Os cálculos consideram que o BC manterá o índice de 11% de capital mínimo e não os 8% praticados na maior parte do mundo. Se o BC acompanhasse os 8%, o capital exigido seria ainda menor, R$ 87 bilhões.

Para Troster, facilita a adoção das novas regras o fato de os bancos brasileiros não trabalharem no limite e terem algum capital ocioso. Para ele, Basiléia 2, "além de controle prudencial é uma nova ferramenta de controle gerencial para os bancos".

"O impacto da demanda adicional de capital não será relevante nos grandes bancos. Nos bancos médios, porém, dado o nível de alavancagem, pode haver reflexo", afirmou o diretor da área de gestão de desempenho financeiro da consultoria Accenture, Paulo Barreiros. O especialista afirmou que s bancos médios ainda podem ter dificuldades relacionadas ao desenvolvimento de sistemas para a avaliação do risco e reunião de informações.

O diretor de projetos da Luz Engenharia Financeira, João André Marques, concorda que a dificuldade será maior nos bancos pequenos e médios. "Só recentemente alguns começaram a se preparar para a mudança de regras", disse Marques

A Luz atendeu cerca de 50 clientes, entre eles a Bovespa, no processo de adequação a Basiléia 2. E a experiência permite a Marques dizer que vai sobrar capital em alguns bancos, mas outros, muito alavancados, terão que desacelerar. Bancos mais focados, como os especializados no financiamento de veículos, por exemplo, não sentirão muita diferença na exigência de capital. Já os que têm carteiras diversificadas deverão apurar aumento do risco e acréscimo no índice de capitalização exigido, disse Marques.

O BC prevê que, no primeiro momento, os bancos vão adotar as abordagens mais simples de avaliação do risco, chamadas de abordagens padronizadas. Mas, a partir de 2012, os bancos poderão usar modelos internos de avaliação de risco, o que poderá reduzir as exigências de capital.

Basiléia 2 trouxe algumas novidades para o acordo inicial, que o Brasil adota desde 2000 e já avaliava o risco de crédito e de mercado de juros prefixados e câmbio. Entre as novidades introduzidas por Basiléia 2 estão avaliar e exigir alocação de capital para os riscos de mercado de juros pós-fixados, commodities e ações e para o risco operacional.

Desde 2005, o Banco Central criou um grupo de trabalho junto com as instituições financeiras para estudar as mudanças em audiências públicas e realizou estudos de impacto em conjunto com o BIS e internos.

O BC não divulga o resultado dos estudos de impacto mas afirma que será neutro na média do sistema financeiro nacional. Cada banco, porém, registrará impacto diferenciado conforme seu perfil de atuação.

Bancos com uma área forte de negociação de commodities, por exemplo, precisarão aumentar o capital porque esses ativos não eram contemplados nas regras anteriores da Basiléia.

Já bancos fortes em crédito de varejo terão a exigência de capital reduzida. Na regra anterior, toda operação de crédito tinha o valor integral considerado - ponderação de 100% - ao se calcular os 11% de capital mínimo exibido. Agora, os créditos de varejo terão ponderação de 75%, o que reduzirá o capital exigido para esse tipo de operação para os 8,25%.

Outro item com potencial liberação de capital é o tratamento dado para as carteiras de títulos. Pelas regras novas, somente os títulos classificados para negociação ("trading book") deverão ter alocação de capital para cobrir riscos de mercado. Anteriormente, também os títulos mantidos até o vencimento ("banking book") e os classificados em posição intermediária eram considerados na apuração do capital mínimo exigido.

Apesar de Basiléia 2 ser fundamentado em um arcabouço global, há espaço para discricionalidades locais. A idéia é que as normas possam ser adaptadas por cada regulador conforme o risco local. Isso será cada vez mais possível à medida que as novas regras sejam implantadas e o BC tenha mais informação.

No caso do crédito imobiliário, por exemplo, o BC brasileiro vinculou a ponderação à relação entre o valor emprestado e o valor do imóvel, ou seja, a garantia. Outra peculiaridade foi reconhecer a garantia dada pela sistemática de alienação fiduciária.

Isso significa que se o governo quiser poderá aumentar os requerimentos de capital para desacelerar o crédito. Especialistas afirmam, porém, que isso contraria o espírito de Basiléia 2, que é caminhar cada vez mais para a auto-regulação do mercado e adoção de modelos proprietários de avaliação do risco. "Qualquer intervenção ou tentativa de influência vai ser pouco eficaz", afirmou um consultor.

Troster disse que a principal falha de se adotar medidas para conter o crédito é que "não vai resolver o problema da inflação e ainda vai afetar a produção" porque vai diminuir a oferta de recursos para a indústria.