Título: Jurisprudência vinculante e segurança jurídica
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 24/06/2008, Legislação & Tributos, p. E2

Nas últimas semanas, alguns eventos vieram confirmar uma tendência que se mostra cada vez mais presente no direito brasileiro: a de conferir efeitos vinculantes e gerais às decisões judiciais, em especial àquelas proferidas pelos tribunais superiores, que representam o entendimento majoritário da corte sobre determinado assunto. São eles a edição de novas súmulas vinculantes pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e a publicação da Lei nº 11.672, de 2008, dispondo sobre o julgamento de recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A aprovação de novas súmulas vinculantes confirma a recepção positiva desse mecanismo pelo Supremo. Tais súmulas constituem verbetes com sínteses de entendimentos firmados pelo Supremo sobre matéria constitucional, após reiteradas decisões da corte, e obrigam todos os demais órgãos do Poder Judiciário e a administração pública em geral. Elas foram previstas pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, e regulamentadas, no fim de 2006, pela Lei nº 11.417, sendo que as primeiras súmulas com tais efeitos foram editadas em meados de 2007.

Durante este mês, quatro novas súmulas vinculantes foram aprovadas pelo Supremo, dispondo sobre limite de juros, prescrição e decadência de créditos tributários, remição do tempo de execução de pena e competência dos tribunais em declarações de inconstitucionalidade - totalizando dez súmulas vinculantes, que sinalizam a consolidação do instituto.

Já no que diz respeito às novas normas reguladoras do julgamento de recursos especiais, a Lei nº 11.672 previu que, em caso de multiplicidade de recursos especiais com fundamento em uma questão de direito idêntica, o presidente do tribunal de origem deverá admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia e remetê-los ao STJ, suspendendo o julgamento dos demais. Uma vez decidida a questão pelo STJ, os recursos especiais sobre a mesma matéria, sobrestados nos tribunais de origem, terão seu seguimento negado se estiverem em desacordo com o entendimento fixado. Caso contrário, serão reexaminados pela corte inferior e, mantido o entendimento divergente da solução apontada pelo STJ, o recurso especial será admitido e julgado pelo último. Tanto as súmulas vinculantes quanto a Lei nº 11.617 contribuem para a produção de decisões mais rápidas e para evitar julgados contraditórios em situações análogas.

As novas previsões sobre os recursos especiais são, ainda, semelhantes às normas aplicáveis ao processamento e julgamento dos recursos extraordinários fundados em idêntica controvérsia, que já haviam sido estabelecidas pela Lei nº 11.418, de 2006, quando igualmente se previu a seleção e o julgamento de alguns recursos extraordinários representativos da discussão e a extensão dos efeitos da decisão do Supremo aos demais casos idênticos.

A atribuição de efeitos gerais à jurisprudência vem de encontro ao anseio da sociedade por maior segurança jurídica

Todas as mencionadas normas são verdadeiramente inovadoras. Isso porque, no Brasil, as decisões judiciais, em regra, afetam apenas as partes de uma determinada ação. Com as novas normas mencionadas acima, a jurisprudência dos tribunais superiores passa a ter a força não apenas para influenciar, mas para praticamente vincular as decisões das cortes inferiores.

A novidade de conferir tais efeitos à jurisprudência - tendência que já vinha se manifestando a partir de leis mais antigas e que está claramente se intensificando no Brasil - tem por objetivo atingir alguns fins específicos. Busca-se, primeiramente, maior segurança jurídica para os jurisdicionados, na medida em que a solução dada a uma determinada demanda, examinada pelo Supremo ou pelo STJ nas condições descritas acima, deverá ser obrigatoriamente aplicada a ações idênticas, aumentando a previsibilidade e a estabilidade do direito. Garante-se também tratamento igual a todos aqueles que se encontrem em situação idêntica.

No caso da existência de diversas ações questionando a validade de um tributo, por exemplo, a decisão do Supremo que reconhecer sua inconstitucionalidade interferirá sobre o julgamento de casos idênticos pelas cortes inferiores, provocando uma homogeneização das decisões sobre a matéria. O mesmo ocorrerá com as decisões do STJ. Essa medida pode tornar mais seguro o planejamento tributário por parte das empresas e impedir que concorrentes se sujeitem a ônus desiguais, em razão de decisões judiciais divergentes acerca da incidência ou não de um imposto. O mesmo pode ocorrer em outras matérias controvertidas, como questões referentes a licenciamento ambiental e defesa do consumidor.

A produção de decisões com base em precedentes judiciais anteriores restringe, ainda, a discrição dos juízes e previne arbitrariedades, promovendo a credibilidade das cortes. Por fim, ganha-se em eficiência: os precedentes vinculantes provocam economia de tempo e de recursos, por tornarem desnecessárias novas reflexões sobre matérias que já restaram pacificadas. Tornam mais claro o direito, desestimulando demandas aventureiras e, por isso, possibilitam a redução do número de litígios, funcionando como um importante instrumento para a redução da sobrecarga experimentada pelo Poder Judiciário.

Nota-se, assim, que a atribuição de efeitos gerais à jurisprudência vem de encontro ao anseio da sociedade como um todo por maior segurança jurídica e pela maior eficiência do Poder Judiciário, podendo gerar impactos positivos sobre contribuintes e sobre empresários e investidores que desejem atuar no país.

Patrícia Perrone Campos Mello é advogada, sócia do escritório Campos Mello, Pontes, Vinci & Schiller Advogados e procuradora do Estado do Rio de Janeiro

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